Depois de uma vida dedicada à política, Joe Biden chega nesta quarta-feira à Presidência dos Estados Unidos em circunstâncias diferentes do que terá imaginado enquanto subia os degraus da hierarquia de Washington. Será um início de mandato marcado pela necessidade de inverter tensões internas como não existiam na América desde a Guerra de Secessão, enfrentar a maior pandemia dos últimos cem anos e ainda tentar recolocar o seu país nas diversas frentes globais, da segurança ao clima.
Porém, esta agenda de crise só reforça o peso histórico da sua presidência. Do seu sucesso, e do sucesso da vice-presidente Kamala Harris, dependerá muito do rumo futuro da América e do mundo, sempre influenciado - para o bem e para o mal - pelo que acontece naquela superpotência. O facto de Biden ser um lutador, com um percurso marcado pela superação, incluindo de tragédias pessoais, dá esperança de que será capaz de fazer o necessário.
Os primeiros sinais são animadores. A forma como geriu as diatribes de Donald Trump após a eleição, evitando ser arrastado para uma perigosa guerra de soundbites com o (ainda) 45.º presidente dos Estados Unidos, e como emergiu dos inimagináveis acontecimentos do Capitólio com uma mensagem de unidade, renovando as promessas de servir todos os americanos, é a marca de um verdadeiro chefe de Estado.
As suas prioridades para o arranque do mandato - com ordens executivas importantíssimas previstas logo para o primeiro dia, desde o regresso ao Acordo de Paris à estratégia de vacinação contra a covid-19 - posicionam-no como alguém que de facto encara o cargo que ocupa como serviço público. E que, tal como não concebe liderar uma fação de americanos contra a outra, também não imagina uma política de "America First", desligada do mundo.
O mundo seguramente precisa dessa América, capaz de liderar pelo exemplo mais do que pela força. E esta precisa também de se reencontrar com a sua grandeza. Mas nada disto será simples. As feridas abertas nos últimos quatro anos só serão ultrapassáveis com uma enorme capacidade para construir pontes onde antes se ergueram muros.
Frank Luntz, um conhecido consultor político republicano, participou na semana passada numa reunião da Delegação para as Relações com os Estados Unidos, do Parlamento Europeu, da qual sou membro. "Caos" foi o adjetivo que utilizou para descrever a situação política no país, e no partido que apoia em particular.
Lembrou a popularidade que Trump continua a ter junto da sua base de apoio. Os mais de 90% que voltariam a votar nele se as eleições fossem amanhã e, pior, o mais de um terço que estariam dispostos a abandonar o Partido Republicano para o seguir. Frisou a enorme importância de se evitarem caças às "bruxas" do trumpismo, promovidas quer dentro do Partido Republicano quer pelo Partido Democrata - onde também há fações em conflito -, que alienem ainda mais este eleitorado. "Não se pode ter unidade na sociedade se não houver alguma unidade dos políticos", explicou.
A melhor forma de combater o populismo é compreender as razões que levaram cidadãos comuns ao descontentamento. E depois encontrar soluções políticas para os problemas que enfrentam. Esta é uma aprendizagem que deve ser feita pela nova América de Joe Biden, mas também pelo resto do mundo. Porque as ameaças à democracia são globais.