O facto de o Plano Nacional de Recuperação e Resiliência (PRR) de Portugal ter sido o primeiro a receber luz verde da Comissão Europeia é teoricamente positivo para o país. Precisamos de injetar dinheiro na economia, nas nossas empresas, para começarmos a ultrapassar esta crise e a projetar um futuro igualmente cheio de desafios que não serão nada fáceis. Mas a tentativa de humor com que o primeiro-ministro assinalou este momento na semana passada, ao lado da presidente da Comissão Ursula von der Leyen, terá deixado muita gente a duvidar se, de facto, a rapidez com que chegámos à meta - ou antes: à casa de partida - será um bom augúrio.
Com um singelo: "Podemos ir ao banco?", o chefe do Governo causou arrepios na espinha a todos aqueles que veem neste financiamento uma oportunidade para nos tornarmos num país mais competitivo, com mais oportunidades e mais riqueza.
Depois daquela frase, de pouco adiantou tudo o que o primeiro-ministro acrescentou, e que deveria ter sido a mensagem a reter: que "este plano não é um cheque em branco, tem metas e objetivos"; e que serve não apenas "para responder a esta crise", mas "para nos permitir ir mais além na convergência com a União Europeia".
O facto é que olhamos para o plano do governo português e temos dificuldades em encontrar essa clara visão de futuro que deveria estar na sua essência. O PRR cumpre os requisitos mínimos para passar no crivo da Comissão e do Conselho, onde ainda será avaliado. No papel, estão lá as promessas de alinhamento com os pilares verde e digital, os incentivos à modernização das empresas e da indústria, a redução da burocracia e a melhoria da eficiência administrativa. Mas, na prática, reconhecemos-lhe falhas estratégicas.
Desde logo o excessivo peso do setor público face ao privado. Por exemplo, sendo inegavelmente importante a transição digital na Administração Pública, como justificar que se destinem 1670 milhões de euros a esse fim quando, para o concretizar nas empresas, se reservam 650 milhões? Mas também a tendência para concentrar demasiados recursos em projetos "bandeira" com pouca solidez, como "a Estratégia Nacional para o Hidrogénio", apostando numa tecnologia ainda em fase inicial de desenvolvimento o equivalente a cerca de um quinto daquilo que se destina a toda a descarbonização da indústria. E finalmente o eterno fascínio pelo betão, transversal a diversas componentes do plano, por oposição ao compromisso com o triângulo do conhecimento - educação, ciência, inovação -, o qual apenas podemos vislumbrar nas propostas submetidas a Bruxelas.
Igualmente inquietante é a falta de enquadramento deste PRR num desígnio mais abrangente e integrado para o País. No fundo, a inexistência de um grande plano, como aquele que o Conselho Estratégico Nacional do PSD propôs no Programa de Recuperação Económica tornado público no ano passado. Portugal irá receber 13,9 mil milhões de euros a fundo perdido neste PRR, mais 2,7 mil milhões em empréstimos a juros reduzidos. Mas, além desse bolo, terá acesso a valores bastante superiores no âmbito do Quadro Financeiro Plurianual da União, muitos dos quais acessíveis de forma competitiva, como por exemplo acontece no programa-quadro Horizonte Europa.
As sinergias e complementaridades que se vierem a estabelecer com fundos regionais, com os diferentes programas da União e com o investimento privado, serão tão ou mais importantes do que o valor inscrito no cheque do PRR. Porque será esse esforço conjunto a ditar, ou não, o nosso sucesso. Por isso, apetece dizer: Senhor primeiro-ministro, pode ir ao banco. Mas não se esqueça de que essa conta está à ordem de todos os portugueses. Os atuais e os que irão herdar o país.