No final do ano passado, quando muitos alertaram para o carácter extemporâneo do fecho da Central do Pego, pelo seu papel importante de retaguarda face à intermitência das renováveis, o governo desvalorizou, assegurando que só o aumento previsto na produção das fotovoltaicas mais do que compensaria o débito da antiga central a carvão. Entretanto instalou-se a seca, mas o governo, e figuras próximas deste, vieram relativizar, chegando a haver quem afirmasse que secas como esta já conhecemos desde a Idade Média.
No início deste mês, finalmente apanhado pela realidade dos factos, o governo decidiu suspender a produção de energia hídrica em cinco barragens garantindo, ainda assim, que esta ação em nada afetaria o mix energético nacional.
Na última semana, em pelo menos dois dias, quase metade (45%) da eletricidade consumida em Portugal foi importada, com fevereiro a ameaçar bater recordes históricos a esse nível. A culpa é da seca, dir-nos-á o governo. Esse fenómeno meteorológico que há pelo menos vinte anos faz soar sinais de alarme no nosso país, sem que ninguém os ouça. Mas asseguram-nos já que estão a ser preparadas medidas "urgentes", que nem sequer vão esperar pela tomada de posse do novo executivo, pelo que devíamos estar todos serenos.
Mas não estamos. Até porque há outras frentes, a Leste, que reforçam os motivos de preocupação. Num quadro de escalada da tensão entre a Rússia e a Ucrânia, mesmo não estando Portugal significativamente exposto ao gás natural proveniente da Rússia, ira ser fortemente afetado pela subida de preços.
Gás natural que não apenas é utilizado por muitos portugueses para, por exemplo, cozinharem os seus alimentos, mas constitui também a única alternativa que nos resta para a produção de eletricidade, quando falham as outras fontes. Em causa estão a segurança energética dos nossos cidadãos e das nossas empresas, e até as perspetivas de crescimento da economia no curto e no médio prazo, face ao previsível cenário de agravamento do preço da energia. Espero, sinceramente, que o governo não volte a cair na tentação de desvalorizar o que deve ser levado muito a sério.
Quem conhece o meu trabalho no Parlamento Europeu, em especial na Comissão da Indústria, Investigação e Energia (ITRE), sabe que há muito venho defendendo que a chamada transição verde não é a causa e sim a solução da crise energética. Que tenho insistido, nomeadamente no quadro da discussão do pacote de medidas Fit-for-55, que na próxima semana voltará a estar na agenda, que é preciso reforçar o investimento em investigação científica e inovação, tendo em vista o desenvolvimento atempado de novas formas de produção de energia limpas e economicamente acessíveis.
E que é preciso fazê-lo a par de uma forte aposta na eficiência energética, tema particularmente urgente no nosso país, onde ainda se morre de frio devido à conjugação do preço da energia com o mau isolamento dos edifícios. Mas em relação ao qual, tendo em conta os investimentos anunciados no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, ainda não estamos a dar a devida atenção.
Mas não confundo estas convicções com cruzadas ideológicas ou demagógicas contra as fontes de energia de transição, em especial o gás, que terá um papel decisivo por muitos anos. Portugal está na linha da frente ao nível da produção e utilização de energias renováveis, e deve manter essa aposta. Mas não pode descurar esta fonte de energia. Projetos como a interface dos Pirenéus, há muito congelada devido à falta de vontade política da França, e uma maior aposta em alternativas aos nossos maiores fornecedores atuais de gás, são hoje mais importantes do que nunca.