Nesta terça-feira participei remotamente, a partir de Bruxelas, no Eurafrican Forum 2023, que está a decorrer em Carcavelos, mais concretamente num debate dedicado ao tema da promoção do acesso a vacinas, medicamentos e tecnologias de Saúde nos países africanos. E o que defendi foi que não existe verdadeira transferência de tecnologia sem capacitação.
Por outras palavras, não basta fornecer os serviços e os produtos. Caso contrário, os beneficiários serão sempre meros utilizadores finais desses bens. O que tem de ser feito é criar um ecossistema onde os beneficiários estejam totalmente engajados neste processo, desde o desenvolvimento da tecnologia, até os aspetos comerciais.
Capacitar significa desenvolvimento institucional, através da cooperação bilateral e de parcerias, tanto entre governos, como entre atores públicos e privados. Significa estabelecer sólidas diretrizes regulamentares e éticas, ajudando estes países a desenvolverem os seus próprios órgãos consultivos e de ética. Significa investir em competências. É preciso existir massa crítica, os profissionais qualificados que irão implementar estas mudanças. Significa, ainda, criar toda a infraestrutura física de hospitais, clínicas, fábricas e armazéns para medicamentos e dispositivos médicos e, não menos importante, centros de investigação científica e inovação.
A capacitação do ponto de vista da atividade científica, formando e apoiando investigadores e ajudando a proporcionar-lhes as condições adequadas para desenvolverem as suas atividades, integrando-os em projetos de investigação com os seus pares de outros pontos da Europa e do mundo, é talvez o aspeto mais decisivo deste processo, porque representa o derradeiro salto entre a condição de beneficiários e a de contribuidores para as soluções.
Neste capítulo, há um exemplo que sobressai face a todos os outros: a Parceria Europa-Países em Desenvolvimento sobre Ensaios Clínicos (EDCTP), que atua, sobretudo, na área das doenças relacionadas com a pobreza. Este é um projeto que acompanho com carinho desde que, em 2003, quando era ministra da Ciência e do Ensino Superior em Portugal, foi possível ao nosso país, juntamente com o governo de Moçambique, lançar as suas primeiras sementes. Já como deputada europeia, fui relatora-sombra da segunda geração desta parceria. Mais recentemente, na presente legislatura, a Saúde Global EDCTP3 foi uma das parcerias do programa-quadro Horizonte Europa das quais tive a honra de ser relatora.
O que o EDCTP cresceu nos últimos 20 anos supera todas as expectativas que pudéssemos ter no seu início. Hoje, é uma parceria avaliada em mais de 1,6 mil milhões de euros, que agrega a União Europeia, 15 estados-membros individualmente e 25 países africanos, além dos grandes contribuidores privados mundiais, tais como a Fundação Bill e Melinda Gates. Um projeto em que todos os envolvidos - os que oferecem ajuda e os que a recebem - trabalham em conjunto e em igualdade de circunstâncias a todos os níveis, desde o administrativo à atividade científica.
Os resultados são notáveis. Os seus projetos conduziram a novas formulações de medicamentos antivirais para o HIV para crianças, que aumentaram o acesso. Pela primeira vez, em mais de 40 anos, foi implementado um ensaio clínico de fase 3 para um novo tratamento da tuberculose. Mais recentemente, perto do final de 2021, após projetos-piloto muito bem-sucedidos no Quénia, Gana e Malawi, a Organização Mundial da Saúde recomendou o uso da primeira vacina contra a malária em crianças na África subsaariana e outras regiões com taxas moderadas a altas transmissão. O trabalho apoiado pelo EDCTP também contribuiu para uma resposta mais rápida à atual pandemia de covid-19. Aliás, esta parceria foi um dos primeiros instrumentos que a União Europeia mobilizou na resposta à pandemia. Na Saúde, como noutras áreas, capacitar é a melhor forma de ajudar. Não apenas os destinatários diretos, mas o mundo inteiro.
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