O abrupto fim da atividade da Central do Pego, e a polémica que se seguiu, puseram a nu um dos grandes desafios com que nos deparamos quando fazemos mudanças profundas num curto espaço de tempo: encontrar o equilíbrio certo entre avançar de forma decidida e evitar danos colaterais, sobretudo para as pessoas.
Não está em causa a decisão de se acabar com a produção de eletricidade a partir do carvão. Essa é uma necessidade assumida por toda a União Europeia, e para a qual foram previstos mecanismos de compensação. Nem sequer importa muito discutir se poderíamos ter esperado mais alguns anos para dar esse passo, tendo em conta que os compromissos assumidos por Portugal nesta matéria apontavam para 2030. O que verdadeiramente interessava, neste caso, era tê-lo feito quando estivessem reunidas as condições.
Isso implicava ter pensado previamente o futuro daquela unidade, dos seus equipamentos industriais, dos seus trabalhadores, da própria economia local. E também as possíveis consequências para a segurança energética nacional, tendo em conta que continuaremos a precisar de fontes de energia contínuas. As eólicas e o solar não o são. E as hidroelétricas estão sujeitas a flutuações significativas na sua produção.
Pode agora o governo dar todas as garantias de que o fecho daquela central não terá consequências negativas que, inevitavelmente, está criado o alarme social. E isso é precisamente o que queremos evitar quando pretendemos convencer as pessoas a adaptarem-se a mudanças que, embora necessárias, são também claramente disruptivas.
O mesmo pode ser dito em relação à forma como se procedeu ao encerramento da refinaria de Matosinhos. Aliás, este raciocínio aplica-se a todas as políticas destinadas a concretizar a chamada transição verde, que visa alcançar a neutralidade carbónica na Europa até meados desde século, com uma redução muito significativa das atuais emissões de CO2 já em 2030.
Uma transição na qual a energia desempenhará um papel absolutamente central. Precisamos de desenvolver e potenciar fontes de energia limpa, para substituir os combustíveis fósseis. Mas precisamos ainda de assegurar que esta energia será sustentável do ponto de vista económico. A "affordability", termo anglo-saxónico para o qual não temos uma tradução literal - "acessível" é o que mais se aproxima - é absolutamente central. E aplica-se tanto ao objetivo final como às varias etapas do processo que nos levará até este.
Se as pessoas sentirem que a transição verde lhes vai tirar rendimentos, afetar a sua mobilidade, pôr em causa o seu conforto e aumentar substancialmente as suas despesas, dificilmente se sentirão mobilizadas. Por isso, temos de atuar sobre fatores que contribuem para encarecer o preço da energia. Nomeadamente reduzindo os impostos e outras taxas que, em Portugal, têm ainda efeitos nefastos nos custos de contexto das empresas, prejudicando a progressão salarial. Mas também apostando na investigação científica e na inovação, para proporcionar às empresas e à indústria os meios para darem a resposta que destas é esperada, sem perda de competitividade ou aumentos de preços.
Igualmente importante é empoderar os cidadãos, para que estes sintam este processo como seu. Apostando na produção de energia descentralizada, não apenas com incentivos à instalação de painéis solares em casa, mas criando redes de profissionais especializados para as apoiar nesse processo. Investindo na formação dos cidadãos para a eficiência energética, ensinando-os como poupar melhor, como isolar melhor as suas casas. No fundo, "democratizar" o conhecimento sobre a energia, à imagem do que já vem sendo feito há largos anos com o digital.