E de repente Portugal passou de país-modelo na vacinação, citado em conferências de imprensa das Nações Unidas, para o Estado onde, até à última sexta-feira, a terceira dose da vacina da covid-19 ainda só tinha sido administrada a 12% dos maiores de 65 anos. Números que tornam muito difícil, para não dizer francamente improvável, a inoculação de 2,5 milhões de pessoas até à semana que antecede o Natal.
Não é a primeira vez que assistimos a este tipo de flutuação entre desempenhos excecionais e medíocres no nosso país. Nem é, sequer, a primeira vez que isso acontece na gestão desta pandemia e do processo de vacinação. Como todos recordamos, este começou francamente mal, com o governo a pagar pelas escolhas iniciais que fez. Mesmo assim, depois dos resultados alcançados durante a condução da task force da vacinação pelo vice-almirante Gouveia e Melo, não deixa de ser surpreendente que nos encontremos novamente a navegar em águas incertas.
As explicações têm-se multiplicado. Há quem culpe os utentes, que supostamente estarão a faltar mais aos agendamentos, embora sem explicar porque é que, existindo vacinas em abundância, não são vacinados os muitos que aguardam ansiosamente pela sua vez. Há quem questione a decisão de se juntar as vacinas da covid-19 e da gripe numa única toma, uma medida aparentemente racional mas na qual se parece ter esquecido que há muitos que já tomaram a vacina da gripe e outros que não o fizeram nem tencionam fazer.
Pessoalmente, e acima destes motivos, identifico outro bastante mais básico: pura e simplesmente passámos do bom planeamento e da execução eficaz para o regresso à lógica do voluntarismo na conceção e aplicação das medidas, bem como a comunicação pouco clara e, por vezes, até contraditória das mesmas.
Se em finais de setembro, como noticiou o DN, existiam 2,5 milhões de vacinas disponíveis e mais seis milhões a caminho. E se, nos meses precedentes, Portugal tinha conseguido tornar-se no país da União Europeia com a maior percentagem de população vacinada, não existe outra explicação lógica para este retrocesso do que uma mudança de metodologia para muito pior.
Há alguns meses, escrevi aqui que, se todos os portugueses com funções públicas cumprissem as suas missões com o mesmo empenho e eficiência de Gouveia e Melo, seríamos um país mais próspero e desenvolvido. Agora, bem poderia utilizar a vacinação dos maiores de 65 anos como um exemplo das razões que nos levam a continuarmos distantes desse estatuto.
Os portugueses são reconhecidos internacionalmente pela sua capacidade de se adaptarem a situações imprevistas, de responderem bem sob pressão, de serem criativos. Mas essa flexibilidade tem um contraponto, que é a tendência para cada cabeça ditar a sua sentença.
Todos querem ser "Gouveias e Melos", sem perceberem que - como este repetiu até à exaustão em diferentes intervenções públicas - o seu segredo não é ser possuidor de heroicas e transcendentais capacidades, mas, simplesmente, ser capaz de elaborar um plano, ouvindo os especialistas certos das áreas relevantes, e, depois, de o aplicar de forma rigorosa e decidida. Ou seja: de ser consistente.
Para usar uma analogia com o futebol, tema em que todos os portugueses têm fama de serem especialistas, podemos ter um plantel recheado de jogadores talentosos que se estes não entrarem em campo com um plano de jogo bem definido, sabendo exatamente qual o papel que cada um tem a desempenhar, a derrota torna-se mais provável.
Método! No fundo, resume-se a uma palavra o segredo para o sucesso de Portugal. Se o aplicarmos, aí, sim, poderemos tirar partido dos nossos múltiplos talentos.