Há algumas semanas a Associação das Indústrias do Vidro de Embalagem (AIVE), representante de uma das principais fileiras de consumo intensivo de gás em Portugal, fez uma revelação inquietante que passou mais ou menos despercebida. Num comunicado, explicou que a pressão dos preços nos custos de produção está a tornar-se de tal forma insustentável que se corre o risco de ver condicionado o fornecimento de embalagens de vidro à indústria alimentar e de bebidas.
A indiferença com que este alerta foi acolhido não surpreende. Afinal, mesmo na famosa expressão: "ver o copo meio cheio ou meio vazio", que serve para traduzir estados de espírito mais ou menos otimistas, a ênfase está toda no conteúdo e não no recipiente. O problema é que, se os recipientes começarem a faltar, os conteúdos dos mesmos poderão ter sorte igual. Podemos pensar em muitos produtos afetados, se não na quantidade disponível, pelo menos na qualidade.
Setores como o vidro, as cerâmicas ou o cimento são frequentemente considerados contribuidores significativos para as alterações climáticas. Contudo, também estão, no nosso país, entre aqueles que mais ativamente têm procurado soluções para concretizarem a chamada transição verde.
É essencial reconhecer a importância destas indústrias. Os esforços que têm vindo a fazer, desde muito antes do início da atual crise energética. E, sobretudo, as consequências graves e transversais que resultarão para o país de uma resposta insuficiente aos problemas que enfrentam.
O preço de referência do gás natural na Europa, para contratos com entrega prevista neste mês de outubro, já atingiu os 272 euros por megawatt-hora, cinco vezes mais do que era cobrado há um ano. E os contratos futuros estão a ser fechados por valores seis vezes superiores aos de 2021. Para setores como o vidreiro, o gás representa já perto de 60% de todo o custo industrial. E o mesmo pode ser dito das cerâmicas ou dos cimentos, ambos com subidas significativas dos custos de produção associados aos preços da energia.
Estas são as variáveis que devem ser consideradas por aqueles a quem cabe tomar medidas. No entanto, e a fazer fé nas estimativas da AIVE, o novo pacote de apoio extraordinário às empresas terá um "impacto irrisório". E mesmo essa ajuda, refira-se, nem sequer está ainda garantida, visto o governo dizer continuar a aguardar luz verde da Comissão Europeia para desbloquear parte dos apoios.
Como já escrevi recentemente, as medidas extremamente conservadoras do governo para apoiar as empresas nacionais, em especial as indústrias de consumo intensivo de energia, não se entendem nem se aceitam quando, graças à receita fiscal adicional proporcionada pela subida dos preços, se fecharam as contas do primeiro semestre com um excedente orçamental. Não se entendem nem se aceitam quando, a confirmarem-se os valores noticiados há dias, 87% do pacote de apoio às empresas será financiado por fundos europeus.
Na história recente do país, foram raras as ocasiões em que as empresas precisaram tanto de apoio e o Estado tinha tanta capacidade para o dar. Pelo que se impõe a pergunta: continuam a ver o copo meio cheio, ou estão à espera que este se parta?