Na última sessão plenária do Parlamento Europeu, em Estrasburgo, foi aprovado um projeto de resolução recomendando que os Estados-Membros abandonem o Tratado da Carta da Energia (TCE), assinado em Lisboa, em 1994, que vigora desde 1998 e abrange, entre os 53 signatários, países como Japão, Suíça e Cazaquistão. A votação foi entusiasticamente aplaudida pelos eurodeputados dos verdes e da esquerda, e posteriormente celebrada por estes nas redes sociais como uma "vitória" da causa ambiental e da luta contra os combustíveis fósseis.
Na realidade, mesmo não tendo carácter vinculativo, esta votação veio trazer mais incerteza do que garantias no que respeita à proteção do ambiente. Sobretudo porque foi acompanhada da rejeição de outra resolução, apresentada pelo Partido Popular Europeu, que recomendava o apoio dos Estados-Membros de uma versão modernizada do TCE, em linha com o que vinha a ser defendido pela Comissão Europeia.
Mas vamos por partes, começando por explicar o que é afinal o TCE. Em essência, este é um acordo internacional para a cooperação no setor da energia, do qual constam procedimentos de resolução de disputas entre estados, e entre estados e empresas que realizaram investimentos nos seus territórios.
Nos últimos anos, este acordo começou a ser contestado - legitimamente, refira-se. Por um lado, por estar inadequado face aos compromissos assumidos no Acordo de Paris. E, por outro, por surgirem notícias de estarem a ser exigidas indemnizações a países que tinham assumido medidas de proteção ambiental que punham em causa contratos assinados, como sucedeu em relação ao estado holandês, quando este decidiu pôr termo à produção de eletricidade a partir do carvão.
A necessidade da revisão deste acordo foi reconhecida pela própria Comissão Europeia. E assim surgiu uma modernização do TCE contemplando, entre outros aspetos, a adequação dos novos projetos abrangidos. Os investimentos em combustíveis fósseis perderam a proteção, enquanto os projetos no setor das renováveis saíram reforçados. Além disso, deixaram de ser possíveis disputas dentro da União Europeia, ficando estas restritas às relações entre a UE e países terceiros.
Em síntese, esta modernização veio responder a todas as preocupações suscitadas. Mas, ainda assim, não recebeu o apoio da maioria dos deputados no Parlamento Europeu. E há que denunciar uma certa hipocrisia de quem assume posições em matéria de proteção ambiental que sabe serem contraproducentes face aos objetivos anunciados.
Isto porque, como era sabido pelos que festejaram aquela votação em plenário, à luz das regras atuais as partes que se retirem do TCE ficarão sujeitas a uma cláusula de caducidade, segundo a qual este continuará a aplicar-se aos investimentos existentes durante um período de 20 anos. Ou seja: nem se garante o desinvestimento acelerado nos combustíveis fósseis, nem se evitam - antes pelo contrário: potenciam-se - novas disputas judiciais.
Por outro lado, sem a proteção de um acordo transfronteiriço, vinculativo, no setor da energia, muitos investidores privados podem revelar-se relutantes em financiar novos projetos no setor das energias renováveis. E isso irá colocar problemas, sobretudo aos países com menos recursos próprios, para os quais estes investimentos seriam um estímulo muito importante.
Isto numa altura em que, por exemplo, os Estados Unidos, investem fortemente na transformação do seu setor energético, através da Lei de Redução da Inflação, e em que, na Europa, debatemo-nos com uma guerra às nossas portas que está a ter os efeitos que conhecemos nos preços da energia.
Foi por estes motivos que o Partido Popular Europeu procurou, até ao último segundo, alcançar um entendimento na resolução que não nos conduzisse a novas entropias. Infelizmente, prevaleceu o discurso populista do "tudo ou nada". Mas esta é uma discussão que está longe de ter terminado.
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