Press Água mole em pedra dura…

Opinion Articles | 09-02-2022 in Diário de Notícias

Na última semana, com as notícias dos efeitos da seca, Portugal parece ter acordado para a questão da escassez de água. Resta saber se esta será uma tomada de consciência definitiva ou apenas um epifenómeno, esquecido quando a chuva voltar a cair, disfarçando temporariamente aquele que é um problema grave que se arrasta há décadas.

O mais difícil de compreender, face às esmagadoras evidências científicas apontando para o risco de desertificação de boa parte do território nacional, em particular do sul, é a prolongada inação dos decisores políticos nesta matéria.

Uma inação que não se pode justificar com falta de meios, que têm sobrado para outros projetos de valor acrescentado bastante mais duvidoso. Muito menos de capacidade científica, uma vez que as tecnologias que nos permitem enfrentar estes problemas estão consolidadas e já foram testadas e aplicadas com sucesso. Incluindo em território nacional, onde há muita investigação feita nestas áreas. Eu própria participei, no início deste século, em projetos de dessalinização, envolvendo fontes renováveis, no arquipélago da Madeira.

Aliás, esta região autónoma foi pioneira neste campo. No final dos anos 1970, na ilha do Porto Santo, foi construída a primeira central de dessalinização de água do mar do país. Esta central, que hoje assegura todo o abastecimento de água da ilha, é considerada uma das mais avançadas do mundo. Mas, exceção feita a algumas pequenas explorações privadas no Algarve, ao serviço de projetos turísticos, permaneceu caso único em Portugal.

Por comparação, em meados dos anos 1960, a Espanha também construiu a sua primeira central de dessalinização, nas ilhas Canárias. O sucesso dessa iniciativa rapidamente foi replicado no território continental, através de projetos como a Central de Carboneras, umas das maiores da Europa. Hoje, os nossos vizinhos não apenas estão na linha da frente da produção e utilização de água a partir do mar, mas são também exportadores desta tecnologia.

Em fevereiro do ano passado, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) português, foi divulgado o Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve, no valor de 200 milhões de euros, o qual, pela primeira vez, contempla a construção de uma central de dessalinização naquela região. A infraestrutura em causa irá custar cerca de 45 milhões de euros - um quarto das verbas alocadas ao referido plano. Neste momento, e decorrido um ano, estão ainda "em estudo" as "possíveis localizações" da central. À primeira vista a dimensão do projeto parece insuficiente para que este seja mais do que um plano B para os problemas de abastecimento da região. Mas é importante que este avance rapidamente. Não deixa de ser uma primeira gota de água que, esperamos, se transforme num mar de oportunidades.


Por falar em planos B, o anúncio da suspensão temporária na produção de eletricidade a partir de cinco barragens geridas pela EDP, igualmente devido aos efeitos da seca, veio demonstrar mais uma vez a importância de se tomarem medidas com ponderação e a certeza de que existem alternativas caso as coisas não corram como se imagina que irão correr.

Foram muitos - eu incluída - os que alertaram para a precipitação do fecho da Central do Pego, cuja função era precisamente compensar a quebra de produção das renováveis. O governo português preferiu a "medalha" de primeiro país da UE livre da produção de eletricidade a carvão, com uma fatura que agora todos iremos pagar. Como se a conta já fosse baixa!

Para que não restem dúvidas: não defendo o regresso do carvão, nem sou defensora para o nosso país de alternativas como o nuclear. O futuro tem de passar pela aposta em fontes de energia limpa e acessível. O que não acredito é que se chegue lá tomando decisões ao sabor do vento.

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