Até esta quinta-feira, o Alentejo registava menos de 60 casos confirmados de COVID-19. É um número que irá seguramente continuar a aumentar, como tem sucedido em todo o país, mas que ainda assim evidencia uma realidade muito distinta daquela que se vai registando noutras regiões, nomeadamente no Norte e Centro.
Sim: o Alentejo é grande e a sua população total ronda apenas os cerca de 750 mil habitantes. A baixa densidade populacional é obviamente um fator determinante. Tal como o envelhecimento da população, que se traduz em menor mobilidade. Mas não creio que a demografia seja a única explicação.
A região continua a ter uma dúzia de cidades com mais de 10 mil habitantes. São cidades com um fluxo assinalável de entradas e saídas de e para outras regiões e países. Em qualquer uma destas poderiam ter já surgido focos significativos da doença. Para já, contudo, a propagação continua a ser relativamente limitada.
Como alentejana, sinto-me inclinada a acreditar que também há explicações culturais para a forma como a pandemia tem progredido na nossa região. As recomendações em vigor, no que respeita ao COVID-19, passam pelo recolhimento e por respeitar a distância social quando temos mesmo de estar fora de casa. E esses comportamentos são porventura mais naturais entre os alentejanos do que na população de outras regiões do país.
Gostamos dos momentos de convívio social tanto como qualquer outra pessoa. Mas também somos, por natureza, mais cientes do nosso espaço e do espaço do vizinho. Apreciamos uma boa festa, uma feira, um bom espetáculo, mas passamos bem sem idas frequentes a centros comerciais e hipermercados. Não procuramos as multidões. Eu sou uma bejense a viver há muitos anos entre Lisboa e Bruxelas e não foi por isso que mudei essa forma de estar.
Crises como aquela que estamos a viver têm o condão de nos obrigarem a refletir sobre a lógica de algumas escolhas que antes encarávamos como verdades absolutas. Tal como a opção por nos concentrarmos – pessoas, empresas, serviços – em grandes metrópoles, onde o espaço é limitado, as deslocações demoradas e cansativas, onde vivemos lado a lado com muita gente que não chegamos verdadeiramente a conhecer. Tudo isto porque, acreditamos, “é lá que está o dinheiro”, “é lá que estão as oportunidades”, “é lá que estão as pessoas”.
No mundo digital em que vivemos – e estas últimas semanas têm-no demonstrado de forma muito clara – existem inúmeras formas de trabalhar, de criar valor para nós próprios e para a comunidade, que dependem muito mais das nossas capacidades do que do local onde nos encontramos. Em muitas profissões, até a partir de casa o podemos fazer.
Com algum investimento em infraestruturas e equipamentos, quantas empresas não poderiam fixar-se e operar de forma competitiva fora das grandes metrópoles, reduzindo custos e oferecendo melhor qualidade de vida aos seus colaboradores? Quantos centros de investigação poderiam desenvolver tecnologia de ponta a partir da pacatez de uma pequena vila alentejana?
O Interior, o mundo rural, cujo progressivo abandono o país tem vindo a acompanhar de forma conformada ao longo das últimas décadas, pode muito bem ser a melhor aposta que podemos fazer se quisermos ter um futuro diferente, mais equilibrado e sustentável. Uma nova terra das oportunidades.