Numa entrevista ao jornal Público, divulgada neste domingo, a comissária Europeia da Energia, Kadri Simson, reduziu a pouco mais de zero o grande projeto anunciado por Portugal, Espanha e França para um “corredor verde” do hidrogénio, ao recomendar aos empresários nacionais que “não fiquem à espera” da referida obra, sem prazo à vista, para investirem nas energias verdes.
Na realidade, a observação, ainda que impressionante na sua franqueza, nada teve de surpreendente. Desde o anúncio deste “corredor verde”, no ano passado, que venho a dizer que Portugal trocou um compromisso escrito por uma vaga manifestação de intenções, e que a exequibilidade desta obra, bem como a sua justificação do ponto de vista do custo-benefício, estava longe de ser evidente.
Mais preocupada fiquei com a revelação, pela comissária, de que tem discutido com…a França as interligações elétricas à Península Ibérica, sem qualquer referência a discussões idênticas envolvendo Portugal e Espanha. Vamos esperar que se tenha tratado de um lapso e não de um sinal de que, mais uma vez, nos deixaremos ultrapassar num tema da maior importância para a segurança energética do nosso país.
A esse propósito, vale a pena lembrar que estão neste momento em discussão, no Parlamento Europeu, dois relatórios muito importantes sobre energia: a renovação do Desenho do Mercado Elétrico, no qual sou negociadora pelo Partido Popular Europeu, e onde um dos pontos fortes da posição do Parlamento é precisamente o reforço das redes existentes; e o regulamento relativo à integridade e à transparência nos mercados grossistas de energia (REMIT), do qual sou relatora.
Nesta última semana voltámos também a ser entretidos com o folhetim do local de construção do novo aeroporto de Lisboa, com o espaço mediático a encher-se de artigos de opinião e de notícias sobre os méritos desta ou daquela opção. Ao que parece, a comissão técnica independente responsável pelo mais recente estudo de localização até decidiu fazer uma espécie de sondagem informal, na qual os cidadãos podem aceder a uma aplicação e escolher o avião correspondente ao local mais do seu agrado.
A discussão sobre a nova localização do aeroporto de Lisboa começou na década de sessenta do século passado, mais ou menos na mesma altura em que, nos Estados Unidos, a NASA preparava as missões Apolo à Lua. Inspirada por esse momento histórico, aproveito para deixar aqui a minha sugestão: tendo em conta os prazos prováveis para se chegar a uma conclusão e a uma adjudicação, talvez seja uma boa ideia optar-se por um novo aeroporto que tenha já a valência de porto espacial.
Finalmente, e ainda no tema da mobilidade, neste caso subterrânea, foi confirmado que as obras de expansão dos metros de Lisboa e Porto irão sofrer uma ligeira derrapagem de cerca de 500 milhões de euros. Nada de preocupante, assegurou já o secretário de Estado da Mobilidade Urbana, uma vez que os custos adicionais “serão cobertos”, seja através da reprogramação que o governo conta fazer do Plano de Recuperação e Resiliência, seja via Orçamento do Estado ou Fundo Ambiental.
Por outras palavras, podemos ficar todos descansados, porque a derrapagem será coberta recorrendo a verbas originalmente destinadas a outros fins. De resto, com impressionante franqueza, mas sem chegar a ser surpreendente, o referido secretário de Estado até admitiu que novas derrapagens se poderão seguir, uma vez que é o que sucede “naturalmente, como toda a obra pública que é feita”.
Devo, portanto, concluir que o meu tempo de ministra em Portugal foi completamente atípico, uma vez que, no Ministério da Ciência e Ensino Superior, executámos cerca de 500 milhões de euros de obras públicas sem derrapar um cêntimo.
Perante tudo isto, só me ocorre um desabafo: até quando vamos aceitar a normalização do que é inacreditável, do que não é normal nem aceitável?
Pode ler o artigo no site do Diário de Notícias.