Ao ser libertada, San Suu Kyi disse: "a democracia é possível na Birmânia". San Suu Kyi proferiu esta frase após sete anos consecutivos de prisão domiciliária, após dez anos sem ver os filhos, várias décadas depois de ter assistido ao assassinato do seu pai, o herói nacional da independência da Birmânia, Aung San. Se alguém, que viveu durante tantos anos num país dirigido por uma junta militar cruel, que viu a sua vitória eleitoral estrondosa, nas eleições de Maio de 1990, anulada por essa mesma junta militar, afirma que a democracia é possível no seu país, devemos seguramente acreditar no que diz.
A libertação de San Suu Kyi levantou uma onda de esperança para o povo birmanês, uma onda que deverá conduzir este povo martirizado a libertar-se da opressão e do medo a que foi sujeito durante tantos anos. A comunidade internacional deverá continuar atenta à evolução da sociedade birmanesa, pois o regime militar continua em vigor e não dá sinais de ter esmorecido. Não obstante, a libertação de San Suu Kyi é uma etapa fundamental para a mudança de direcção política do país.
É imperativo que a Nobel da Paz obtenha total liberdade de movimentos e que o diálogo com os militares que governam o país seja efectivo. A resistência e o estoicismo de San Suu Kyi são fonte de inspiração para todos nós, mas a sua libertação deverá ser apenas o início de um processo de democratização que deve continuar com a libertação incondicional de todos os Birmaneses presos por convicções políticas.
A União Europeia pode e deve desempenhar um papel importante neste assunto. Foi com grande satisfação que soube do convite dirigido pelo Presidente do Parlamento Europeu, Professor Jerzy Buzek, durante a sessão de abertura do dia 22 Novembro, a San Suu Kyi para a Nobel da Paz estar presente neste órgão plenário da Europa. É fundamental reforçar a posição europeia relativamente à nova situação política na Birmânia a fim de melhor contribuir para a paz, a liberdade, a democracia e melhores condições de vida neste país do sudoeste asiático. As iniciativas neste sentido não se devem confinar aos órgãos políticos da União Europeia. Todos nós, de uma forma ou de outra, podemos contribuir para este esforço.
No mês passado, na qualidade de deputada europeia, tomei a iniciativa de organizar um seminário sobre a situação na Birmânia, para o qual convidei o Presidente Ramos Horta, Prémio Nobel da Paz, como orador principal. Nele participaram especialistas de ONGs e jornalistas internacionais que trabalham no terreno com as etnias birmanesas, bem como representantes da oposição birmanesa, alguns a viver do interior da Birmânia, que descreveram um quadro preocupante da situação no país.
Durante a minha intervenção apelei ao diálogo tripartido entre o governo birmanês, a oposição e as várias minorias étnicas que integram a população do país como ponto de partida para uma nova era de paz e reconciliação nacional. Ramos Horta teve a oportunidade de explicar que as sanções económicas impostas à Birmânia, só por si, não produzem grandes melhorias e acabam por ter um efeito nefasto para a população, pois o governo transfere o ónus das sanções integralmente para a população. A própria San Suu Kyi, actualmente, tem vindo a pedir o fim das sanções económicas por as considerar inadequadas como forma de pressão no caso da Birmânia.
Seria ingenuidade esperar que a situação na Birmânia se altere rapidamente para melhor. Tenhamos esperança porém que a líder reconhecida do processo democrático, San Suu Kyi, consiga transformar todas as pequenas alterações em avanços em direcção à liberdade e à democracia.