Está a chegar ao fim o quarto mandato português à frente da presidência rotativa do Conselho da União Europeia, seis meses depois do início de funções. As primeiras semanas à frente do organismo comunitário ficaram marcadas pelo agravamento da pandemia em Portugal e na Europa, com o país a registar, em janeiro, a mais forte vaga de infeções, que provocou um novo confinamento geral. Apesar de o contexto sanitário não ter facilitado a vida aos representantes nacionais, estava criado um ambiente favorável à criação de um espaço comum da saúde, que não ganhou o impulso que alguns peritos esperavam.
“O processo de construção de uma verdadeira União Europeia da saúde evolui de forma muito lenta. As diferenças entre países sobre os critérios de vacinação exemplificam bem a dimensão dos obstáculos que temos pela frente”, reconhece Manuel Pizarro. Para o eurodeputado eleito pelo PS, as dificuldades de unir os Estados-membros em torno do cumprimento das recomendações da Agência Europeia do Medicamento (EMA) sobre as vacinas é incompreensível. “Um cidadão não pode compreender que, ainda por cima em matéria onde o conselho científico deve ser determinante, sejam aplicadas normas diversas de país para país”, aponta. Ainda assim, e apesar de considerar que esta descoordenação alimenta a onda de negacionismo, Pizarro diz que a consolidação da resposta comum à pandemia foi “o mais positivo” no percurso da presidência portuguesa.
A partir de Bruxelas, Maria da Graça Carvalho não partilha a mesma opinião e diz mesmo que “Portugal foi, nessa fase, pouco firme e pouco interventivo”. A deputada do Parlamento Europeu refere que “não correu bem a articulação, ao nível do Conselho, da resposta europeia à pandemia”, em particular quando os diferentes países “começaram a ter uma atitude um tanto ou quanto errática” em consequência de falhas no fornecimento de vacinas.
Em maio aconteceu a Cimeira Social do Porto, que o Governo considerou o ponto alto deste mandato e onde se procurou estabelecer compromissos entre as nações para o plano de ação do Pilar Social Europeu. Em discussão estiveram objetivos relacionados com o emprego, a formação ou a pobreza, partindo das metas definidas pela Comissão Europeia em março — chegar a 2030 com, pelo menos, 78% da população empregada, 60% dos trabalhadores com formação anual e menos 15 milhões de pessoas em situação de pobreza ou exclusão social.
Para João Almeida Lopes, a iniciativa podia ter sido “mais consequente quanto à relação e à sinergia entre a saúde e as áreas sociais”, ao invés de ter focado os temas das transições climática e digital ou da adaptação às alterações demográficas que se avizinham. “Na nossa perspetiva, não se pode pensar e debater este pilar sem um pensamento forte e determinado sobre as políticas de saúde e que saúde queremos para a Europa”, detalha o presidente da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica — APIFARMA.
Resiliência, justiça social, digitalização e sustentabilidade são os pilares que (ainda) orientam a estratégia da presidência portuguesa, que somou pontos em várias frentes na área da saúde desde janeiro. Além de ter finalizado e lançado o programa União Europeia pela Saúde, a representação nacional desbloqueou a proposta legislativa sobre avaliação das tecnologias de saúde (ATS), em discussão desde 2018, e conseguiu, já este mês, alcançar um acordo informal com o Parlamento Europeu para a sua aprovação. “Este é um passo para permitir que as tecnologias de saúde cheguem a todas as pessoas com doença de forma mais célere e em equidade, em qualquer parte da Europa”, acredita Almeida Lopes. A eurodeputada do PSD Maria da Graça Carvalho concorda que este foi um de “dois dossiês muito importantes” cujo sucesso se deve à ação de Portugal, a par com a aprovação do Certificado Digital da covid-19. Ainda assim, lamenta, “o sector da saúde tinha pouco peso nas prioridades apresentadas” pelo país para o exercício deste mandato.
Contactado pelo Expresso, o Ministério da Saúde destaca o trabalho desenvolvido no reforço do mandato da EMA, a revisão do alcance do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças ou ainda a promoção, através do debate, da digitalização do sector. “Espera-se que o trabalho desenvolvido durante a presidência portuguesa, bem como o importante progresso realizado durante a presidência alemã, permita a aprovação, pelo Parlamento Europeu, do regulamento de avaliação das tecnologias de saúde”, lê-se na nota enviada. Manuel Pizarro acredita que, apesar das dificuldades, “há sinais muito positivos” sobre o compromisso da União Europeia para o fortalecimento da saúde no espaço comunitário.
Do lado português, a esperança é de que o resultado das sementes lançadas desde janeiro possa ser colhido, nos próximos anos, com a implementação de uma União Europeia da saúde, que se quer mais cooperativa entre países e mais acessível a todos os cidadãos.