Nasci em Beja e fiz lá toda a escola pública, até ao Liceu. Em 1972, no Liceu Nacional de Beja, ganhei o Prémio Nacional do “melhor aluno do país, de Caminha a Timor”. Depois vim para Lisboa estudar Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. Fui uma das duas únicas mulheres a entrar no curso nesse ano, entre dezenas de homens. Fiz o doutoramento no Imperial College, de Londres. Pelo meio fui fazendo outros cursos, à noite, como o curso de Cinema do National Film Theatre. Acho que já deu para perceber que sempre gostei de estudar. Vem de pequena. Quando estava a crescer, em Beja, não havia muito que fazer. Por isso, lia imenso! Nas férias de Verão não era invulgar ler uns 40 livros. Chegava a ficar à espera de que chegassem livros novos, próprios para a minha idade, à porta da biblioteca de Beja. Já os tinha lido todos. Mas regressando à minha formação, depois do Imperial College, fiz toda a carreira no Técnico, onde cheguei a professora catedrática, ainda na casa dos trinta anos. Julgo que fui a primeira professora catedrática de Engenharia Mecânica na Península Ibérica. A vida política veio mais tarde. Na verdade, tornei-me política por acidente, ao ser convidada pelo doutor Durão Barroso para ser ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior no XV Governo Constitucional.
Em relação às áreas que refere, acrescentaria ainda as questões de género e de mercado interno e a digitalização. É difícil descrever um papel específico porque, como refere, estou envolvida em diversas áreas. Em todas elas existem objetivos que gostaria de ajudar a atingir. Na questão ambiental, que é uma área à qual sempre estive muito ligada, nomeadamente como investigadora. Na Educação. Nos direitos dos consumidores. Nas questões de género. Essencialmente, se tivesse de resumir a minha atividade e os meus objetivos, diria que estes passam por tentar contribuir para tornar o mundo num sítio melhor. Pode parecer uma resposta um pouco simplista, mas, no fundo, resume-se a isso. Estou muito ligada à ciência, defendo muito o investimento em ciência, não porque esta seja um fim em si mesmo, mas precisamente pelo que pode trazer de melhoria para os nossos cidadãos, as nossas sociedades, as nossas empresas e o nosso planeta.
É extremamente importante! Não podemos cair no erro de pensar que as batalhas pela igualdade de género já foram todas travadas e vencidas. Mesmo na Europa, onde consideramos estar na linha da frente, as mulheres continuam a receber salários inferiores por trabalho igual, e continuam a ter dificuldade em aceder a determinados cargos, sobretudo no setor privado. As mulheres representam menos de 30% dos membros dos conselhos de administração das principais sociedades cotadas europeias, e apenas 8% dos CEO. Por isso é que existe a diretiva Women on Boards, com a qual estou envolvida enquanto relatora-sombra do Partido Popular Europeu, que defende a criação de condições para que as mulheres nas administrações cheguem pelo menos aos 40%. E há novas formas de desigualdade, com a questão das competências digitais. As mulheres, por questões culturais, têm menos tendência para optarem por percursos profissionais ligados às novas tecnologias. E isso é negativo, desde logo porque é nessas áreas que estão os melhores empregos.
Pessoalmente não posso dizer que tenha sentido que o meu género tenha sido um obstáculo, talvez porque sempre fui muito decidida em relação aos meus objetivos. No entanto, basta olharmos à nossa volta – e isso aplica-se também ao Parlamento Europeu – para percebermos que este ainda é um mundo muito masculino. Precisamos de mais mulheres nos lugares de decisão, tanto na esfera política e pública como no setor privado.
A igualdade consegue-se com massa crítica. Até se chegar a essa barreira é muito difícil, porque as mulheres chegam a certos ambientes e não se sentem bem – por serem minoritárias – acabando muitas vezes por sair. É também por isso que as quotas são importantes, ainda que de uma forma transitória. A realidade atual ainda é muito a “old boys network”. Nem sempre há uma discriminação consciente, mas esta acaba por existir indiretamente. Tem que ver com a forma como certas coisas funcionam. Mesmo as decisões que se tomam, as prioridades que se identificam, a forma de agir, é muito masculina. Até em pormenores aparentemente inócuos. Por exemplo, é comum os homens juntarem-se a uma mesa, a um jantar, para tomarem decisões. Se calhar, a maioria das mulheres não gostam particularmente desse modo de trabalhar.
No que respeita à minha forma de estar e atuar na vida, poderá haver uma pequena parte que é inata, mas a maior parte é adquirida, sobretudo pela educação e pelo trabalho. Guio-me muito pelo meu método e o meu raciocínio científico, que vêm da minha formação, e que aplico a tudo. Não apenas às grandes decisões e opções profissionais, mas até a pequenas coisas, da minha vida privada. Raramente tomo decisões ao acaso. É tudo pensado, seguindo a mesma linha de raciocínio.
Talvez o Prémio Maria de Lurdes Pintassilgo tenha sido o mais gratificante. Porque ela era uma mulher, política, engenheira, que se dedicava muito à Educação e que tinha um conjunto sólido de valores. Diria, esperando não parecer imodesta, que ela, na política, tinha áreas de interesse que também são as minhas, por isso revi-me particularmente neste prémio. Foi um orgulho ter sido associada ao seu nome.
Há duas coisas que me fazem particular impressão: a falta de acesso à saúde e à educação por grande parte do mundo, sobretudo nos países em desenvolvimento. Inquieta-me pensar que há zonas do globo onde os miúdos andam quilómetros para irem a uma escola onde nem luz elétrica têm. Outros que nem têm a sorte de ter uma escola. Pessoas que vivem em zonas sem médicos. A Saúde e a Educação são fontes da igualdade de oportunidades. Sem elas, fica-se cortado, limitado. Infelizmente, há ainda uma grande parte do mundo que não as tem garantidas.
A minha maior ambição é poder trabalhar até ao último dia da minha vida. Se não puder trabalhar e estudar fico muito triste. Ler, aprender, trabalhar, fazer coisas. É isso que me motiva.