Press Portugal não contrata (Jornal de Notícias)

News | 22-12-2013

Serralves recebeu segundo encontro de graduados portugueses no estrangeiro Portugal forma, em média, 1500 doutores por ano. Maioria acaba por sair do país

Notícia da jornalista Helena Teixeira da Silva

Portugal é o pais da União Europeia (UE) que mais cresceu em número de doutorados nos últimos 20 anos, mas é também o que menos os contrata. A maioria sai do país e não tenciona voltar a curto prazo.

De 2014 até 2020, Portugal vai receber 27,7 mil milhões de euros para investir em ciência e inovação. No mesmo período, a Europa investirá quase o equivalente ao empréstimo que Portugal contraiu com a troika: 79 mil milhões de euros. No entanto, "o cenário, que é grave na Europa, é gritante em Portugal: financiam-se investigadores, mas depois o setor privado não os contrata e eles acabam por sair do país, criando riqueza noutros lugares".

A crítica é da eurodeputada Maria da Graça Carvalho, que ontem traçou o diagnóstico da ciência na Europa, na sessão "Migrações Científicas: Ir e Voltar" do segundo Fórum Anual de Graduados Portugueses no Estrangeiro, que decorreu na Fundação de Serralves, no Porto. "Não basta financiar a investigação, é preciso que ela tenha repercussão no tecido industrial para que possa criar impacto na economia. Nesse aspeto, estamos na cauda da UE. Portugal forma cerca de 1500 doutorados por ano, mas não há transferência do seu conhecimento para o setor privado".

A posição foi corroborada por Peter Villax, vice-presidente da empresa portuguesa da área da saúde Hovione. "Tivemos um Estado fantástico a impulsionar a investigação, estudantes que responderam positivamente ao desafio e empresas que não fizeram nada", resumiu.

Villax, que afirma ter contratado todos os seus doutorados portugueses no estrangeiro, sugeriu que nas condições para candidatura aos fundos comunitários deveria ser "critério de elegibilidade contratar doutorados".

TRÊS DOUTORANDOS PORTUGUESES NO ESTRANGEIRO //TESTEMUNHOS

Vou demarcar-me dos que desistiram'

EM 2017 Raul Saraiva deverá concluir o seu doutoramento na Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, nos Estados Unidos da América, onde vive há dois anos. Nessa altura, terá 28 anos e, se tiver corrido bem, terá conseguido demonstrar que é possível isolar as bactérias que habitam os mosquitos e, dessa fornia, travar a transmissão da malária, doença que mata cerca de 700 mil pessoas por ano no Mundo. Será uma boa altura para voltar a Portugal? "Talvez não", responde ao JN o doutorando que foi aluno de 18 valores na licenciatura e mestrado em Bioquímica da Universidade do Porto. "Não saí de Portugal por causa da conjuntura económica e portanto também não é isso que me fará voltar". Raul tem um objetivo claro: "Quero fazer parte da solução, quero demarcar-me de uma geração que desistiu. Mas creio que posso dar um contributo maior a Portugal se primeiro souber tirar partido do mundo globalizado". O mais provável é que continue a estudar. Hoje é bolseiro do Programa Fulbright, que lhe financia uma propina de 50 mil dólares por ano.

"Não planeio voltar num curto prazo"

AOS 24 ANOS, José Pedro Reis, mestre em Engenharia Civil pela Universidade do Porto (UP), recusou o convite daquela instituição para cumprir ali o doutoramento. "Tinha feito Erasmus na Dinamarca, onde vivi cinco meses, e desde então fiquei com vontade de voltar a sair", explicou ao JN. Estava há já dois anos a fazer investigação na UP quando decidiu mesmo ir embora.

Atualmente, frequenta o terceiro ano de doutoramento na Universidade de Cambridge, em Inglaterra, maratona que deverá concluir em março de 2015. E depois? "E depois é pergunta que nunca se faz a um doutorando", ironiza. Ainda assim, ensaia uma resposta. "Não excluo a possibilidade de fazer um pós-doc noutro país, quero experimentar mais".

A sua área é a de planeamento do território. "Estudo a forma das cidades em crescimento e em contração, para desenvolver metodologia capaz de medir as suas redes espaciais. E gostava de a aplicar". Em Portugal? "Não é obrigatório. Quero voltar, não cortei o laço, mas não planeio voltar a curto prazo".

"Sair do país foi um passo natural"

NATURAL de Coimbra, Rita Furtado licenciou-se em Biologia na Universidade de Aveiro, completou o mestrado em microbiologia médica na Universidade Nova de Lisboa, onde iniciou atividade como cientista, e seguiu para o doutoramento no Instituto Pasteur, em Paris, onde se debruçou sobre a bactéria responsável pelas infeções pulmonares. Há dois anos, transferiu a investigação do setor público para o privado, trabalha numa farmacêutica. Ana Rita tem 34 anos, vive em França há sete. Regressar a Portugal é uma probabilidade tão grande como não voltar. "Ainda não constituí família, mas se o fizer em Paris é normal que depois a hipótese de voltar seja reduzida", reconhece. "Até posso voltar, mas não posso dizer que esse desejo faça parte das minhas prioridades".

De resto, acrescenta, "sempre senti necessidade, desde nova, de passar as fronteiras. Sair do país, tanto do ponto de vista pessoal como profissional, foi um passo natural". Nunca foi responsabilidade do país ou da crise, ressalva. "Foi sempre uma necessidade intrínseca, minha".

Please note, your browser is out of date.
For a good browsing experience we recommend using the latest version of Chrome, Firefox, Safari, Opera or Internet Explorer.