Maria da Graça Carvalho afirma Mais recursos, mais simplicidade, maior facilidade de acesso por parte das PME e várias medidas favoráveis a Portugal são as principais vertentes do programa Horizonte 2020 que arranca a 1 de janeiro - considera Maria da Graça Carvalho. Em entrevista à "Vida Económica", a deputada portuguesa ao Parlamento Europeu e relatora do Horizonte 2020, destaca a dotação global de 79,4 mil milhões de euros que representa uma aumento de cerca de 35% face ao programa anterior, numa altura em que o orçamento global da União Europeia é reduzido. Para Maria da Graça Carvalho o Horizonte 2020 traduz a aposta da União Europeia no pilar da liderança industrial, antevendo a recuperação da competitividade da indústria europeia. O programa contempla um conjunto de medidas favoráveis a Portugal com mais apoios para o Mar, a Herança Cultural e as áreas onde o nosso país já desenvolve atividades de investigação e inovação.
Notícia de João Luís de Sousa
Vida Económica - A aprovação do Horizonte 2020 na semana passada no Parlamento Europeu consagra o aumento da dotação global?
Maria da Graça Carvalho - O valor final foi fixado em 79,4 mil milhões de euros, a preços correntes, o que acho interessante. Corresponde praticamente ao valor do empréstimo da Troika a Portugal com a diferença que no Horizonte 2020 o orçamento é para sete anos e abrange toda a Europa.
VE - No trabalho que desenvolveu na preparação do relatório de execução conseguiu incluir medidas favoráveis a Portugal?
MGC - De facto, consegui introduzir todas as minhas emendas, A única coisa que gostávamos que tivesse sido mais ambiciosa foi o valor do orçamento. Pretendíamos 100 mil milhões de euros. Mesmo assim, o aumento é significativo face ao programa anterior, o 7.º Programa Quadro, que tinha uma dotação de 52 mil milhões de euros. O aumento nos recursos é cerca de 35% quando o orçamento global da União Europeia diminui 10%. O aumento obtido é fruto de uma campanha de dois anos onde dissemos que pretendíamos um aumento substancial.
VE - Além do aumento na dotação orçamental na atribuição dos apoios vai haver um maior equilíbrio entre os grandes países e os pequenos países como é o caso de Portugal?
MGC - No Horizonte 2020 não existe uma repartição da dotação por países. Os apoios serão atribuídos em função das candidaturas que são submetidas e aprovadas. Mas as condições são agora mais favoráveis. O programa não estava desenhado para isso. Não constava na proposta inicial da Comissão Europeia, mas as emendas foram nesse sentido. Para já o funcionamento é mais simples. Por outro lado, o modelo de financiamento não requer a contrapartida nacional.
Há medidas como o twining e teaming que equilibram a participação entre as instituições que participam mais e participam menos. As bolsas de retorno para as instituições de onde estão a sair mais jovens. Outro ponto são os vouchers de inovação.
Há também a aposta substancial nas PME com 8650 milhões de euros para PME, dos quais três mil milhões de euros dedicados ao "Instrumento PME", e dentro desta os vouchers de inovação que podem apoiar as start-up.
O programa está desenhado para um maior equilíbrio a favor de países de pequena e média dimensão e para as instituições que participam pela primeira vez.
As prioridades que interessam a Portugal estão todas incluídas no programa de trabalho.
Há uma linha autónoma para o mar, outra para a herança cultural e medidas para a água, florestas, a energia, as ciências sociais e humanas. As áreas onde Portugal trabalha bastante estão nos programas de trabalho.
VE - A data de entrada em funcionamento do Horizonte 2020 prevista para 1 de janeiro, não depende do acordo de parceria entre Portugal e a União Europeia?
MGC - O Horizonte 2020 é gerido em Bruxelas e não depende do acordo de parceria.
O acordo de parceria é para os programas nacionais de agricultura, para o Fundo Social Europeu, o FEDER, definindo como estes fundos se vão aplicar e quais serão as prioridades e propondo medidas mais detalhadas sobre a forma como Portugal as vai executar.
Portugal está a fazer bem o trabalho de divulgação
VE - Neste programa o papel das autoridades portuguesas é menos relevante na gestão e funcionamento dos apoios?
MGC - Temos que fazer um trabalho importante de preparação e divulgação que este programa exige.
Devemos fazer dias abertos, dias de formação e de apoiar a preparação e a participação das candidaturas. Portugal está a fazer bem este trabalho. Dentro do Ministério da Educação e Ciência há um grupo de capacitação e apoio ao programa quadro (Gabinete de Promoção do Programa-Quadro) que faz reuniões em todo o país para a divulgação do Horizonte 2020.
Vai haver uma grande divulgação no dia 13 de dezembro no Centro Cultural de Belém com o ministro Nuno Crato, onde eu vou estar e também o diretor geral de Ciência e Inovação da Comissão Europeia.
Existem também Pontos de Contacto nacional do Programa que prestam informação. Há uma outra coisa que Portugal pode e deve fazer: Através do FEDER obter financiamento para despesas de preparação das propostas, nomeadamente, custos com viagens, podendo elaborar as candidaturas sem terem que suportar esses encargos.
VE - Para serem apoiadas pelo Horizonte 2020, as empresas vão ter que fazer um esforço maior de cooperação?
MGC - Claro que sim, porque a maior parte destes financiamentos visa apoiar os consórcios internacionais.
É indispensável que as empresas tenham relações com os seus congéneres internacionais e escolham as entidades que mais se adaptam à sua candidatura para obter bons resultados. Uma grande parte dos apoios dirige-se a consórcios e não a empresas ou instituições isoladas.
VE - No caso da indústria portuguesa os participantes dos consórcios serão geralmente as empresas dos mesmos setores nos outros países?
MGC - Depende. Pode ser um consórcio de empresas da mesma área, como também pode ser uma cadeia onde tem o utilizador final e todos os outros intervenientes. Por exemplo, no caso do setor automóvel há o utilizador final, os materiais, a parte de projecto, e os restantes intervenientes da cadeia antes do utilizador final. Também na indústria aeronáutica há bastantes fornecedores na cadeia, sendo muitas PME.
O consórcio envolve investigação ao nível da fileira envolvendo grandes empresas, PME, fornecedores de materiais de know how.
VE - O programa aponta para um maior equilíbrio entre a oferta e o da procura atribuição dos incentivos, atribuindo uma maior importância à inovação com novos serviços e produtos que cheguem ao mercado?
MGC - Sim. Isso é algo que se tenta corrigir através deste programa. Este programa tenta criar equilíbrio através de várias vertentes: Equilíbrio geográfico incentivando os pequenos países a participar mais, equilíbrio entre a investigação experimental e a investigação empresarial. É um programa que tenta equilibrar as várias vertentes da ciência e inovação.
Ciência e inovação com o pilar na atividade industrial
VE - Por vezes ouvimos críticas em relação às poíiticas da União Europeia que são acusadas de não proteger a atividade industrial e prejudicar o setor produtivo. O Horizonte 2020 pretende ser uma resposta?
MGC - O programa é uma resposta a essa crÍtica. É a primeira vez que um programa de ciência e inovação tem um pilar relativo à liderança industrial dedicado à inovação e á tecnologia. Não é sequer no setor empresarial mas sim na atividade industrial.
VE - Considera que as críticas sobre a falta de atenção das políticas europeias em relação à indústria têm fundamento?
MGC - Até aqui as críticas tinham fundamento. Mas a Comissão e o Parlamento juntaram-se e chegaram a um acordo neste programa Horizonte 2020 para ser criado o pilar da liderança industrial na Europa. As políticas seguidas e a evolução da economia têm provocado a diminuição da actividade industrial na Europa. A Europa continua a ser líder em vários setores, nomeadamente, na indústria automóvel, na indústria aeronáutica, na indústria química, farmacêutica. Temos de contrair esta tendência para a deslocalização desta actividade para países terceiros. Há alguns sinais, nomeadamente na Alemanha, a indicar que vários setores industriais estão a investir mais em inovação.
Até agora o investimento da indústria em inovação estava a diminuir e a participação da indústria no anterior programa quadro acompanhava essa quebra.
VE - O Horizonte 2020 pressupõe que acha uma mudança nas políticas europeias criando condições mais favoráveis ao setor produtivo?
MGC - Sim, Este é o programa que acompanha a nova politica industrial da Europa, de reindustrialização da economia Está em linha com as novas prioridades Não é uma política feita através de financiamento aos setores industrias, É uma politica que prevê criar as condições adequadas para que a indústria se desenvolva com medidas adequadas à actividade industrial, uma fiscalidade adequada ao investimento.
Não se pretendem atribuir apoios dirigidos a cada setor mas sim às key enabling technologies necessárias à indústria: os materiais, à tecnologia de produção, à energia, e não o financiamento ao setor cerâmico ou ao automóvel. Queremos criar as condições de base e um ambiente favorável ao investimento privado.
VE - Tem havido por parte dos políticos europeus uma visão demasiado ideológica em áreas como a abertura dos mercados sem reciprocidade, o custo da energia e as normas ambientais que são negativas para a indústria?
MGC - A abertura dos mercados traz vantagens. Foi assim que a Alemanha se tornou a maior exportador do mundo.
Temos que tirar partido da globalização e da abertura dos mercados para exportar mais. Mas, existem algumas directivas europeias e certo tipo de regulamentos que são negativas para as empresas ao criar obrigações burocráticas e custos excessivos.
Há regulamentações que têm de ser revistas porque são demasiado complexas.
VE - Tem uma expectativa positiva quanto a uma maior simplicidade das normas e a um quadro mais favorável às empresas?
MGC - O Horizonte 2020 representa uma grande aposta na simplificação. Espero que este exemplo seja estendido a outros setores incluindo a própria agricultura. A simplificação também deve abranger a legislação fazendo com que as normas se tornem melhores e mais eficazes.
VE - Por que é que a União Europeia continua sem ter uma política de energia favorável à indústria e sem criar um mercado laboral europeu?
MGC - A política da energia está a ser revista no plano europeu para que possa passar a ser mais favorável à indústria e ao setor produtivo. Até agora, os preços da energia prejudicavam a competitividade das empresas europeias. A nova estratégia europeia para a energia, que já está desenhada, pretende corrigir essa desvantagem.
O mercado laboral não faz parte das políticas europeias mas sim nas políticas internas de cada um dos Estados membros. Esta temática do mercado laboral está incluída no Semestre Europeu onde se debatem as reformas que contribuam para o aumento da flexibilidade e à adoção de normas favoráveis ao crescimento e que permitam criar mais emprego.
Pretende-se que a lei laboral não seja uma barreira ao crescimento económico e ao emprego. Mas, é uma política da responsabilidade de cada um dos estados-membros.