Press Descarbonização custará mais de €2 mil milhões até 2050

News | 01-04-2021 in Expresso

A descarbonização da indústria cimenteira poderá custar mais de €2000 milhões até 2050, ano em que está previsto atingir a neutralidade carbónica não só neste sector, mas em Portugal. O montante, que é uma estimativa, consta de um roteiro apresentado esta segunda-feira pela Associação Técnica da Indústria de Cimento (ATIC), onde se definem as medidas que o sector terá de implementar nos próximos anos para conseguir cumprir este objetivo.

De acordo com o documento, e pelas contas do Expresso, até 2030 terão de ser investidos €490 milhões e, a partir desse ano, mais €1500 milhões, o que perfaz €1990 milhões. Há ainda que acrescentar investimentos a realizar no pós-2030, que a ATIC diz ser cedo para contabilizar, o que atirará o montante para mais de €2000 milhões.

A maior parte dos investimentos será realizada depois de 2030, porque será nesse período que se implementarão as tecnologias mais disruptivas, que hoje ainda estão numa fase embrio­nária. É o caso da captura, armazenagem e reciclagem de carbono e do hidrogénio.

Mas, para já, o foco está nas emissões que se conseguem eliminar, ou seja, na produção de clínquer, o material através do qual se faz cimento. É que o clínquer é feito com calcário e em fornos de elevadas temperaturas, e por isso liberta CO2 no processamento do calcário e nos fornos, que, na sua maioria, ainda usam combustíveis fósseis.

Assim, a meta é que, em 2030, se usem 60% a 70% de combustíveis alternativos e sem emissões, como a biomassa ou outros resíduos, uma percentagem que sobe para 90% em 2050. E ainda usar 65% de clínquer no cimento em 2030 e menos de 60% em 2050, o que será conseguido com novos materiais, já em estudo, e com resíduos de construção reciclados.

Governo garante apoios

Há ainda outras medidas a tomar e que se incluem neste plano de investimentos, como aumentar a eficiência energética das fábricas, usar energias renováveis para autoconsumo ou usar o betão de um edifício ou de uma ponte para capturar CO2. Porque, diz o presidente da ATIC, Gonçalo Salazar Leite, “o betão pode absorver até 25% do CO2 emitido pelo clínquer”.

A propósito da apresentação do roteiro, a ATIC e o Expresso organizaram uma conferência digital que juntou 14 oradores, entre eles os eurodeputados Maria da Graça Carvalho e Carlos Zorrinho e os ministros da Economia, Pedro Siza Vieira, e do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes. Porque para fazer tudo o que é preciso não basta a vontade e o dinheiro das empresas, é preciso haver financiamento público, nacional e europeu, diz a ATIC. “Há várias fontes de recursos públicos para apoiar esses investimentos. Há o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), há as verbas públicas plurianuais e os apoios à investigação e à inovação”, assegura Pedro Siza Vieira.

Mas no processo de descarbonização nem só o dinheiro chega. São precisas políticas públicas e “um quadro regulatório adequado”, ressalva o deputado do CDS João Gonçalves Pereira. Por exemplo, é preciso criar políticas que permitam que os resíduos sejam direcionados para a produção de biomassa, e não para aterros. E é preciso incentivar, ou mesmo obrigar, à contratação de cimento feito com novos materiais. Além disso, diz Carlos Zorrinho, a nível europeu vai ser preciso rever uma série de diretivas, como o regime de comércio de licenças de emissão e a forma como construímos. Mas também vão ser precisos incentivos para investir e criar novas tecnologias e ainda para desburocratizar o acesso aos planos de financiamento, diz Maria da Graça Carvalho.

De facto, reforça o presidente do Conselho Português da Construção e do Imobiliário, Fernando Santo, a confusão que ainda existe, por exemplo, nos licenciamentos ou no IVA da construção são entraves tão grandes que o fazem estar “muito pessimista” quanto à possibilidade de chegar à neutralidade carbónica em 2050.

Não perder competitividade

Carlos Zorrinho nota ainda a importância de avançar com a taxa de carbono que os países da União Europeia cobrariam quando se importam produtos de empresas de países que não estão sujeitos às mesmas regras ambientais e que não estão a investir para reduzir as emissões.

Para a ATIC, esta taxa permitiria estar no mesmo nível de concorrência que essas empresas e garantir a competitividade do sector. Sem isso, pode mesmo chegar-se a um cenário de encerramento de fábricas em Portugal, que, consequentemente, originaria a perda de empregos e a redução das exportações num sector que em 2018 foi responsável por 50% do comércio externo português e empregava mais de cinco mil pessoas em seis fábricas, três da Cimpor e três da Secil.

Esta taxa seria também uma forma de combater “a falta de coerência” que existe no combate às alterações climáticas. “A Europa é responsável por 8,3% das emissões mundiais, e Portugal por 0,14%, mas há cinco paí­ses — China, Estados Unidos, Índia, Japão e Rússia — que são responsáveis por 60% das emissões, que estão preocupados com outro tipo de competitividade e não estão disponíveis para abdicar desse tipo de ambição”, remata Fernando Santo.

 

O QUE ELES DISSERAM

“Quando pensamos neste sector não pensamos em neutralidade carbónica, mas ela é possível através do uso de resíduos na queima e do uso de cimento que emita menos carbono, o que depois contribui também para as menores emissões dos edifícios”

Sofia Santos
Fundadora da SystemicSphere

“Vamos chegar à neutralidade carbónica transformando toda a nossa cadeia de valor, e para isso precisamos de políticas públicas e reguladoras que garantam uma transição equilibrada”

Gonçalo Salazar Leite
Presidente da ATIC

“Em 2019,o consumode cimentofoi 30% do consumo de 2000. E a construção de edifícios era de 125 mil em 2002 e em 2019 foi de 14 mil”

Fernando Santo
Presidente do Conselho Português da Construção e do Imobiliário (CIP)

OS PRINCIPAIS OBJETIVOS
48%

É a redução de emissões de CO2 prevista para 2030, aplicando todas as medidas incluídas no roteiro

65%

é a percentagem de clínquer usado na produção de cimento em 2030; em 2050 será inferior a 60%

30%

é a percentagem de biomassa de resíduos usada nos fornos que fabricam o clínquer em 2030; em 2050 será de 50%

 

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