Num mundo desenhado por homens, estes necessitam mais do que nunca da inteligência, talento e capacidade técnica das mulheres. O mundo da Economia Digital vê-se obrigado a atrair um maior número de mulheres para as suas fileiras. A falta de talento seja masculino ou feminino no mercado digital é gritante. E com o poder que a Analítica de Dados ganhou no setor, o fosso é ainda maior. Este é um cenário que oferece às mulheres que trabalham tanto com dados quanto com finanças, oportunidades únicas na história das revoluções industriais. Mas neste mundo pensado e desenhado pelos homens, tarde se aperceberam que tinham criado um problema que imana da cultura e postura global, restringir o acesso a determinadas profissões para «meninas» é um problema criado pelos homens. Há um ano atrás, a deputada europeia e antiga ministra da Ciência, Inovação e Ensino Superior, Maria da Graça Carvalho, identificou num relatório, as principais causas, nomeadamente culturais, para o menor envolvimento das mulheres nas TIC, que levam a que estas representem apenas 17% dos inscritos em cursos relacionados com tecnologia e uma percentagem semelhante dos profissionais do setor na União Europeia. Neste relatório, pode ainda observar-se que, mesmo entre as mulheres que optam pelas TIC, muitas acabam por abandoná-las, tanto enquanto estudantes como trabalhadoras, num fenómeno conhecido por leaky pipeline.
Maria da Graça Carvalho que é também membro da Comissão dos Direitos das Mulheres e da Igualdade dos Géneros, sublinhou na altura que “a desigualdade no digital, aumenta o fosso salarial, com consequências negativas também nas reformas, sendo que um dos grandes problemas dos nossos dias são os baixos rendimentos das mulheres aposentadas”. Por outro lado, frisou que “está em causa a competitividade da economia europeia, cuja principal barreira é a falta de profissionais nas novas tecnologias, em particular nas tecnologias digitais. Uma enorme bolsa de talento, criatividade, competência e capacidade de inovação está a ser desperdiçada”.
As TIC estão longe de levantar a bandeira da diversidade
Não é novidade que ambientes de tecnologia ainda têm muito para evoluir para serem considerados plenos de diversidade, para as profissionais do sexo feminino. Quando não existe diversidade nos funcionários por detrás do desenvolvimento de algoritmos que podem determinar aprovação de financiamento para empréstimos e seguros, análise de risco ou perfil de investimento, o resultado final não contemplará a diversidade presente no mundo atual, muito menos questões históricas de, por exemplo, disparidade de concentração de riqueza. Também por isso o setor de Data Science precisa de mulheres. As mulheres têm mostrado ter sucesso em áreas onde a comunicação é uma competência chave e onde têm muitas vezes, mais sucesso que os homens. Podem contribuir para que o mercado se livre de soluções enviesadas criadas por uma maioria de homens. Entender um problema e os seus desdobramentos é tão importante quanto solucioná-lo, eis que entra o papel das mulheres. Outro fator importante é que mulheres que se licenciam na área de finanças têm mais possibilidades de se envolverem em causas sociais para promover igualdade económica do que homens formados nas mesmas áreas. Alguns estudos de Universidades Norte Americanas mostram que mulheres empreendedoras são 1,17 vezes mais propensas a usarem os seus negócios para mudanças sociais ou ambientais em comparação a homens.
Uma visão positiva que acrescenta valor à mulher nas TIC
Numa conversa com Sandra Gil Mateus, Public Sector Account, Executive – Health Lead na Microsoft Portugal, a executiva não considera que “os computadores sejam para meninos. Na verdade, e os dois últimos anos são prova disso, a tecnologia, o digital, “os computadores” são para todos e estão em todas as áreas da nossa vida, desde a infância, na escola, e durante a vida adulta seja qual for a profissão. E, se é verdade, que temos cada vez mais mulheres a estudar e a trabalhar diretamente nas áreas STEM, como demonstram os relatórios da Unesco e das Nações Unidas, ainda estamos longe de atingir métricas equilibradas. Por exemplo, em 2018 apenas 22% dos profissionais a trabalhar ativamente Inteligência Artificial eram mulheres (Women and the digital revolution | 2021 Science Report (unesco.org)). E é para aumentar a velocidade desta tendência que empresas como a Microsoft trabalham intensivamente programas internos e externos de capacitação e suporte a mulheres na área de tecnologia, com especial destaque para os programas de “Women Empowerment”, o “Global Skills Initiative”, e vários programas de “Women in IT”. E temos também de agir na base, nomeadamente na educação, onde não havendo qualquer justificação racional para o desequilíbrio, continuamos a assistir a uma cultura que através da educação, dos exemplos e da orientação vocacional, insiste em privar o género feminino a perseguir carreiras em tecnologia. Ainda não é natural, por exemplo, oferecer um robot a uma menina, e é este inconsciente que tem de mudar. E é um papel de todos.”
No que respeita à necessidade de as empresas terem mais mulheres por causa do advento dos Dados e da IA para poder definir estratégias de serviços e produtos, Sandra Gil Mateus, acredita que “não é por causa dos Dados e da IA que o setor precisa de mais mulheres. O que sabemos hoje é que os negócios que mais prosperam são aqueles que têm uma cultura constante de inovação. E para inovar verdadeiramente é necessário que exista diversidade de perspetivas construída com diferentes experiências. Já em 2017 num estudo da BCG (The Mix That Matters: Innovation Through Diversity (bcg.com)) demonstrava existir uma relação positiva entre a diversidade nos boards e a rentabilidade de novos produtos e serviços. E refiro boards porque efetivamente é nos cargos de decisão que essa diferença é evidente. Não é só necessário ter mais mulheres em cargos de chefia é, até por sobrevivência dos negócios, necessário garantir que há mulheres em cargos de liderança das organizações, onde se tomam decisões que efetivamente influenciam o negócio. Em paralelo, importa, ainda, garantir a remuneração igual entre homens e mulheres. Segundo os últimos dados do Eurostat, o fosso salarial entre homens e mulheres em Portugal aumentou de 10,9%, em 2019, para 11,4% em 2020, valor que fica ainda abaixo da média da União Europeia (UE). E em 2020, o rendimento bruto por hora das mulheres foi, em média, 13% inferior aos dos homens na UE.
Acredito sim que estamos, como sociedade, a tomar cada vez mais consciência desta necessidade e, é por isso, que vemos, por exemplo as iniciativas de diversidade e inclusão nas empresas a serem cada vez valorizadas nos scores ESG (environmental, social and corporate governance), tendo a Forbes considerado esse o ponto de atenção principal em 2021 (Why The ESG Spotlight Should Be On Diversity And Inclusion In 2021 (forbes.com)).”
Sandra Gil Mateus, afirmou ainda que não sente a força do machismo no seu dia a dia: “trabalho diariamente com dirigentes da Administração Publica de vários ministérios e não sinto machismo. Sinto, acima de tudo, falta de mulheres em cargos de liderança. Há, sem dúvida, um lastro histórico onde precisamos de tempo e velocidade para alterar, mas, também na administração publica precisamos dar espaço a mulheres para progredir.
Felizmente, ainda que em número reduzido, encontramos mulheres a liderar grandes organizações publicas e com especial enfoque na tecnologia e, da minha amostra pessoal, são evidentes os resultados positivos dessa liderança. Dar espaço a outras mulheres e intencionalmente desenvolver planos de desenvolvimento e carreira para a liderança, é também um papel do estado, dando, em primeira mão o exemplo que precisamos como sociedade.”
No que respeita à forma de atrair e reter talento nas TIC, Sandra Gil Mateus afirma que: “há muitos fatores que tornam as organizações de TI atrativas para o talento e que incluem uma cultura sólida, de colaboração, com bons programas de desenvolvimento e crescimento, para além obviamente das condições de base do trabalho. No entanto, acredito que o que pode mesmo fazer a diferença entre organizações são dois fatores adicionais. Em primeiro lugar, a liderança da organização, seja numa perspetiva mais macro (Board) seja na chefia direta. Exigimos hoje da liderança das organizações uma empatia e uma defesa de valores que vão muito para além da rentabilidade da empresa, tendo uma visão constante do impacto que a organização tem no seu ecossistema. Aqui tomam especial papel os projetos e grupos dentro da organização que voluntariamente, mas devidamente patrocinados, abraçam causas sociais, ou de diversidade ou de sustentabilidade, por exemplo.
Desde 2017, e reforçando o compromisso com a igualdade género, a representação das mulheres na Microsoft, em áreas centrais do negócio, tem aumentado de forma constante, crescendo até 124% no nível Executivo, quase 91% ao nível Direção e quase 80% no nível Manager. Em 2021, 30,9% da força de trabalho eram mulheres, o que representou um aumento de 0,7 pontos percentuais em relação a 2020. Pelo terceiro ano consecutivo, a Microsoft inclui também no Diversity & Inclusion Report, uma análise sobre gender pay gap.
Em segundo lugar, destaco a flexibilidade e diversidade no ambiente de trabalho. Uma organização como a Microsoft, que se pauta pela flexibilidade, autonomia e que abraça a diversidade para além das suas regras internas é certamente muito mais atrativa, incorporando e valorizando a diferença de quem chega, ao invés da sua adaptação ao que já existe. E, em especial, para as mulheres, é para mim evidente que cada vez mais se procuram organizações onde se tem impacto interno e externo, se desenvolve pessoal e profissionalmente enquanto se concilia a vida familiar e pessoal, envolta em constante empatia”.
Medidas de empoderamento das mulheres
Isabel Reis, Diretora Geral da Dell Technologies, por seu lado afirmou que também nunca se sentiu tratada de forma diferente pelo fato de ser mulher quer em Portugal quer em Espanha, a executiva fala-no das medidas da empresa para reter mais talento feminino.
No que toca a medidas de igualdade de género o SAS, a gigante de sistemas integrados de aplicações para a análise de dados, foi reconhecida como líder no empoderamento das mulheres. O SAS tem atualmente quase 40% de mulheres a representar a sua força de trabalho global e cargos executivos e um terço dos cargos de gestão global. Conversámos com Luísa Aguiar do departamento de RH do SAS, que nos deu a conhecer a estratégia da empresa para chegar até aqui.