O secretário de Estado da Saúde, Fernando Leal da Costa, diz que a desinformação tomou conta do debate político.
Saúde vai exigir declaração de interesses a quem falar sobre medicamentos
O secretário de Estado da Saúde diz que a desinformação tomou conta do debate político e que existe um aproveitamento dos receios da população.
Artigo de Catarina Duarte
O Ministério da Saúde vai exigir declarações públicas de interesses a quem se manifestar publicamente sobre medicamentos. A notícia foi avançada ontem pelo secretário de Estado adjunto da Saúde, Fernando Leal da Costa, na IX Conferência da Indústria Farmacêutica, organizada pelo Diário Económico em parceria com a MSD.
"Somos vítimas de demasiados comentários infundados sobre coisas que ninguém disse, interpretações selvagens e ignorantes de terminologia e aproveitamento simplista dos receios da população", atirou Leal da Costa, num discurso cheio de recados dirigidos às corporações, à oposição e à própria comunicação social. Por isso, "brevemente teremos as disposições legais necessárias para que os interesses de cada um, no momento em que se pronunciarem sobre remédios e tratamentos, sejam claros e escrutináveis", anunciou o governante.
"Para quem usar, ou inventar, casos com o intuito de descredibilizar o SNS, gerar a desconfiança e insegurança das populações, fazendo aproveitamento político ou, até mesmo, comercial, vai o nosso veemente repúdio, em defesa dos nossos doentes", condenou o secretário de Estado adjunto da Saúde.
Leal da Costa não especificou os destinatários desta mensagem, mas nos últimos dias têm-se multiplicado as notícias de restrições no acesso a medicamentos por parte de alguns hospitais. O bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, denunciou na semana passada que há situações de médicos que estão a ser proibidos de prescrever os medicamentos que consideram adequados para os seus doentes. O bastonário deu o exemplo da hepatite C, relatando que os novos medicamentos antivirais estão a ser usados de forma diferente consoante os hospitais, havendo algumas unidades que não estão a permitir a sua utilização. Também o Bloco de Esquerda veio denunciar que o Hospital de Guimarães está a fazer racionamento de medicação em casos de doentes crónicos.
Fernando Leal da Costa defendeu que "seria bom que toda a gente se pusesse de acordo sobre o significado" da palavra "racionamento", aludindo ao parecer emitido sobre o Conselho de Ética para as Ciências da Vida, uma vez que "para que nada falte a quem precisa, é imperioso escolher os medicamentos mais indicados para cada caso específico". O governante esclareceu que "não pode haver selecção por código postal", ou seja, não pode haver des~ criminação no tratamento de hospital para hospital. Recorde-se que o apelidado "grupo dos 14" - os hospitais da região Norte que se juntaram para comprar medicamentos em conjunto - tem merecido as reservas no sector.
Contudo, Leal da Costa, lembrou que a selecção "não pode ser imposta pelo momento em que os doentes recorram aos serviços, tratando pior os que chegarem mais tarde" quando já não há orçamento. É neste contexto de restrição orçamental e numa altura em se discute o contributo que a Saúde terá no corte de 4.400 milhões de euros, no âmbito da reforma do Estado Social, que o governante pediu "prudência e contenção nas afirmações" e repudiou "sentimentalismos cínicos quando estão em jogo interesses ou dividendos que não são do conhecimento público".
"Não há lugar a politiquices mesquinhas" na discussão do Estado Social", afirmou Leal da Costa. "Há escolhas que têm de ser feitas e serão tanto mais difíceis de tomar quanto maior a confusão que se instalar sobre os problemas e os dilemas, tal como será impossível aplicar as escolhas que forem feitas se continuarmos a assistir à desinformação que tomou conta do debate político nacional", rematou o secretário de Estado no encerramento da conferência. ¦
Regulação não deve travar a inovação científica
O vice-presidente do Infarmed, Helder Mota Filipe, defendeu ontem que a regulação não pode ser um entrave ao desenvolvimento científico e ao crescimento da indústria farmacêutica na Europa. "A inovação tem tido um papel bastante importante em áreas não existentes e temos que trabalhar, nós reguladores, para que a regulação não seja um entrave ao desenvolvimento do conhecimento de novos produtos e da indústria farmacêutica na Europa", disse Helder Mota Filipe na sessão de abertura da IX Conferência da Indústria Farmacêutica promovida pelo Diário Económico e pela MSD.
O vice-presidente da Autoridade Nacional do Medicamento chamou ainda a atenção para as dificuldades causadas pela deslocalização da indústria para fora do espaço europeu. Sem dar exemplos particulares, Helder Mota Filipe, disse que, perante eventuais problemas de produção ou abastecimento, "a Europa perdeu instrumentos que lhe permitam controlar o mercado", apelando para que se encontrem soluções para este problema.
Lobo Antunes destaca estudo da Gulbenkian. 'Chairman' da conferência acredita que análise será ideologicamente independente.
O estudo de análise profunda do Serviço Nacional de Saúde que vai ser liderado pelo britânico Nigel Crisp foi destacado por João Lobo Antunes, 'chairman' da IX Conferência Indústria Farmacêutica, que decorreu ontem no Hotel Ritz em Lisboa.
"Lord Crisp aceitou ligar-se ao nosso país de uma forma mais íntima, eu diria, como 'chairman' de uma comissão que a Fundação Gulbenkian entendeu constituir e que vai desenvolver um estudo muito amplo nos seus objectivos sobre a nova visão da saúde em Portugal como um bem sustentável" Nigel Crisp será, nas palavras de Lobo Antunes, o "maestro" de um estudo que "pensamos ser uma base independente de qualquer preconceito ideológico ou político" e que pretende olhar de uma forma crítica para a saúde portuguesa.
Tal como noticiado pelo Diário Económico na passada segunda-feira, a Gulbenkian convidou um conjunto de especialistas nacionais e internacionais para analisar o SNS e fazer propostas concretas.
Na intervenção que precedeu a apresentação de Maria da Graça Carvalho, João Lobo Antunes lembrou um problema que afectava a investigação científica em Portugal: o IVA que tinha de ser pago pelas entidades, retirando dinheiro aos apoios que recebíamos. "A professora Graça Carvalho conseguiu resolver um problema que nos afectava profundamente".
Doentes e médicos têm de ter outro papel no SNS do futuro
O modelo que serviu de base à criação dos sistemas de saúde já não serve para manter o SNS do futuro.
"O século XX na medicina foi fantástico", disse Nigel Crisp, antigo chefe do Executivo do serviço de saúde britânico e um dos oradores convidados IX Conferência da Indústria Farmacêutica. Contudo, os modelos usados para construir os sistemas de saúde do passado já não servem para preservar o Serviço Nacional de Saúde no futuro.
"Precisamos de um novo modelo para o futuro, que aposte mais na prevenção [da doença], nos cuidados do lar e no maior envolvimento do paciente", defendeu Nigel Crisp, deixando exemplos: "Na África do Sul há clubes de doentes com Sida, que ajudam outros pacientes, porque muitas vezes um doente percebe melhor as manifestações da doença do que um médico". Também nos Estados Unidos existem grupos de pacientes com cancro que divulgam entre eles informação sobre novos medicamentos que entram no mercado. "Como têm um interesse velado nisso, vão saber mais sobre o assunto do que o próprio médico", explicou Nigel Crisp.
O envolvimento dos cidadãos, seja na prevenção ou no acompanhamento da doença, é um dos factores que tem de mudar no Serviço Nacional de Saúde do futuro. Outro, é o papel dos profissionais de saúde. "O maior desafio é mudar o papel dos trabalhadores de saúde", defendeu Crisp, lembrando que 75% dos custos em saúde são com recursos humanos.
Nigel Crisp recordou a experiência do Reino Unido, que em 2003 decidiu deixar os enfermeiros receitar certos medicamentos. "Podem imaginar a tensão entre enfermeiros e médicos... e os médicos geralmente ganham. Mas decidimos avançar, implementando a medida em alguns medicamentos e com enfermeiros com a devida formação. Nove anos mais tarde os resultados estão aí: os enfermeiros são tão seguros a receitar como os médicos e esta mudança permitiu libertar os médicos para fazerem outras tarefas", concluiu.
Em Portugal, a mesma resistência aconteceu quando a vacinação contra a gripe passou a ser possível nas farmácias, recordou Maria do Céu Machado. A antiga Alta Comissária para a Saúde concordou com Nigel Crisp nos três pontos-chave essenciais para a mudança: melhorar a prestação de cuidados, melhorar a saúde da população e reduzir os gastos em saúde.
Para atingir este "triplo ganho", é preciso envolver todos os 'stakeholders', lembrou Nigel Crisp, que vai liderar o projecto da Gulbenkian para analisar o Serviço Nacional de Saúde, dando também um contributo para a reforma do Estado Social. "Podemos ter as melhores ideias, os melhores 'papers', mas se os decisores políticos não as aceitarem, isso [reforma] não será feito. É preciso que o Governo tenha visão e determinação e que os 'stakeholders' também assumam responsabilidades, porque o Governo não pode fazer isto sozinho", defendeu. ¦ CD.
O MOMENTO
"Vejo com desagrado e preocupação as taxas moderadoras", contou Maria do Céu Machado, ex-Alta Comissária para a Saúde e directora de Pediatria do Hospital de Santa Maria. E contou um caso que passou por si: "Não posso aceitar que um adolescente com suspeita de doença inflamatória crónica grave tenha uma conta de 195 euros para pagar e que a mãe vá embora com ele por não ter dinheiro para fazer os exames".
A responsável defendeu a existência de taxas moderadoras, desde que não impeçam as pessoas de ser tratadas.