A data está marcada: 22 de novembro de 2022. E o dia vai ser "especial" para a luxemburguesa Viviane Reding, a comissária da Justiça, Direitos Fundamentais e Cidadania, que a 14 de novembro de 2012 lançou a proposta de diretiva Women on Boards - paridade nas empresas europeias. A ideia da antiga vice-presidente na "Comissão Barroso", a segunda, foi sendo "desvalorizada e travada" ao longo de uma década. Daqui a um mês tudo vai mudar.
"Haverá festa pela certa. E talvez um champanhe. Vamos brindar. A Viviane já disse que estará aqui, no Parlamento Europeu, para assistir ao último passo da sua ideia, que foi bloqueada por tanto tempo", diz Maria da Graça Carvalho, que foi, nos últimos três anos, relatora de um projeto que assumirá "finalmente" a forma jurídica de diretiva.
"Custa-me dizer", confessa a eurodeputada do PSD, "mas foi o governo alemão, nomeadamente a Sr.ª Merkel, que até é da minha área política, quem impediu que se avançasse com a proposta".
Maria Manuel Leitão Marques, eurodeputada socialista, concorda, "lamenta" e adianta que "isto só se desbloqueou com o novo governo alemão. Os Estados nórdicos, em particular a Alemanha, achavam que isto deveria ser feito por negociação interna em cada país entre empresários, sindicatos, etc., que não era uma questão para harmonizar a nível europeu. Concordavam com a ideia, mas não com o método".
Foi a partir da "presidência francesa, com o Sr. Macron, que apostou nisto para ter um resultado concreto, que as coisas começaram a andar. E houve, é importante salientar", afirma Maria da Graça Carvalho, "uma conjugação interessante de esforços da presidente da Comissão Europeia, da presidente do Parlamento Europeu, de um conjunto de deputadas, de relatoras tanto dos serviços jurídicos como da Comissão dos Direitos das Mulheres e da Igualdade dos Géneros. Não recuavam, batalhavam muito, nunca desistiram".
"Durante anos, alguns países iam dizendo que "agora não é altura", "agora estamos em crise", havia sempre qualquer coisa. Para tudo o que tem a ver com estas questões de género e dos direitos das mulheres há sempre desculpas", diz a eurodeputada social-democrata.
"Dez anos mostra muito da importância que se dava ao problema", acrescenta Maria Manuel Leitão Marques.
Sara Falcão Casaca, professora associada com agregação do ISEG-UL, investigadora pós-doc no projeto Mulheres nos Órgãos de Gestão das Empresas: uma abordagem integrada, que coordenou o Livro Branco: Equilíbrio entre mulheres e homens nos órgãos de gestão das empresas e planos para a igualdade, considera que "10 anos de impasse é muito tempo. A paridade já poderia ser uma realidade nos órgãos de gestão das empresas da União Europeia caso a proposta tivesse reunido consenso na altura em que foi proposta. Na maioria dos países na União Europeia, a proporção de mulheres nos conselhos de administração das empresas não ultrapassa os 30% e em quatro é inferior a 15%, dados de junho de 2022. Verifica-se que é efetivamente nos países que adotaram, desde 2011/2012, medidas de ação positiva (vulgo quotas) de natureza legislativa e de cumprimento compulsório, com um quadro sancionatório associado, que mais se avançou no sentido de um maior equilíbrio de mulheres e de homens nesses órgãos".
Maria da Graça Carvalho reconhece que gostaria que "o resultado fosse mais ambicioso, mas todas concordámos que mais vale conseguirmos algo, que depois se melhora, do que continuar sem nada. Foi este pragmatismo que permitiu que se chegasse a um acordo com o Conselho. Temos, claro, metas mais ambiciosas, mas tivemos que ceder nalgumas coisas".
A socialista Maria Manuel Leitão Marques, por seu lado, admite não ficar "contente que isso aconteça, que o resultado não seja o ideal, mas percebo que há caminhos a fazer. Era mais difícil se fôssemos muito exigentes".
A eurodeputada social-democrata Maria da Graça Carvalho confessa que o objetivo era, "naturalmente", obter "uma percentagem maior, principalmente nos cargos executivos, mas já foi muito bom termos conseguido colocar a palavra "executivo", pois inicialmente não estava. Foi uma grande conquista", afirma.
E a diferença está aqui: "Pelo menos 33% de mulheres em cargos executivos nos conselhos de administração das empresas cotadas em bolsa."
"O momento histórico, que será recordado no futuro como um marco na luta contra a discriminação baseada no género na União Europeia", como diz Maria da Graça Carvalho, introduz também a "meta mínima, sujeita a sanções em caso de incumprimento, de pelo menos 40% dos lugares de administradores não-executivos das sociedades cotadas em bolsa".
Esta obrigação europeia, que terá ainda de passar, após a aprovação final no Parlamento Europeu e publicação no Jornal Oficial da União Europeia, pela "transposição da diretiva para a ordem jurídica portuguesa" e por um período de adaptação de dois anos, tem um prazo definido: 30 de junho de 2026. A partir deste dia já "não haverá desculpas", vinca Maria da Graça Carvalho.
Há um setor em particular, "as SAD dos clubes de futebol, um mundo de homens", que a relatora social-democrata desta diretiva considera ser "muito interessante" de acompanhar, pela "mudança cultural" que "terá que acontecer" por força da aplicação da lei.
"Muito vai ter que mudar em quatro anos", segundo Maria da Graça Carvalho. Maria Manuel Leitão Marques espera que "esta mudança traga mudanças" a "um setor tão masculinizado" e com "tantos problemas e polémicas a que vamos assistindo. Às tantas, a presença das mulheres pode ser a alavanca cultural". Ou, como diz Elza Pais: "Só há transição justa, mudança e desenvolvimento se houver igualdade."
O caso português
"Portugal nem tem que se esforçar muito, basta ajustar a lei portuguesa, a Lei n.º 62/2017, que já é muito avançada", considera Elza Pais, presidente da organização Mulheres Socialistas.
O "regime da representação equilibrada entre mulheres e homens" definiu que para o setor público empresarial "a proporção de pessoas de cada sexo designadas para cada órgão de administração e de fiscalização de cada empresa" não podia ser "inferior a 33,3 % a partir de 1 de janeiro de 2018" e para as empresas cotadas em bolsa colocou a "proporção de pessoas de cada sexo designadas de novo para cada órgão de administração e de fiscalização de cada empresa" num patamar "não inferior a 20%, a partir da primeira assembleia-geral eletiva após 1 de janeiro de 2018, e a 33,3%, a partir da primeira assembleia-geral eletiva após 1 de janeiro de 2020", deixou, na leitura de Elza Pais, um "vazio".
"Aprovámos a lei porque a autorregulação não funcionava, mas não definimos claramente se era para executivos e não-executivos. Ficou essa indefinição", afirma a presidente da Mulheres Socialistas.
"Em janeiro colocámos esta questão a António Costa, que se comprometeu a olhar para este problema. A lei de 2017 era boa, mas as mulheres estavam a ser empurradas para os lugares não-executivos. Era preciso rever a lei. Agora é mais do que olhar. Temos a obrigação da diretiva para as empresas cotadas em bolsa e devemos fazer o mesmo no setor empresarial do Estado. Há duas dimensões na nossa lei. Não faz sentido alterar uma, a das cotadas, sem alterar a outra, a do setor empresarial do Estado."
Elza Pais elogia a diretiva europeia, que "veio no sentido das nossas reivindicações", e garante que "em breve", com "as nossas deputadas, vamos avançar com uma proposta nesse sentido. Se será projeto de lei por via do Parlamento ou por proposta do governo, logo se verá. Temos, isso sim, uma abertura muito grande, manifestada por António Costa".
Sara Falcão Casaca sublinha que "é preciso ter presente que a diretiva vale também pelo impacto simbólico e potencial de contágio", mas alerta que a "Lei n.º 62/2017", que está em vigor, "abrange apenas cerca de 0,03% do universo empresarial português, mas deu início a um caminho, trouxe o tema para o espaço público e permitiu evidenciar que existem mulheres disponíveis e com todas as competências para os cargos em questão".
E "agora", defende, tal como Elza Pais, "é tempo de ampliar essa cobertura". A equipa que elaborou o Livro Branco "propôs o alargamento da obrigatoriedade de limiares mínimos de representação equilibrada entre mulheres e homens aos órgãos de gestão de todas as empresas de dimensão relevante (próximo primeiro triénio: entidades que empreguem 250 ou mais trabalhadoras e trabalhadores; segundo triénio: entidades que empreguem 100 ou mais trabalhadoras e trabalhadores)".
Ou seja, "é tempo de ambicionar o limiar mínimo de paridade (40%), na linha da diretiva, e de atender tanto a cargos executivos como a não-executivos", até porque "no setor empresarial local o nível de incumprimento é grande. E, surpreendentemente, a regulamentação da lei deixou escapar a repreensão (prevista na lei como sanção por incumprimento) no caso deste último setor".