Há alguns anos, em 2017, na altura ao serviço da Comissão Europeia, participei na preparação de uma opinião científica, intitulada Food from the Oceans, na qual se partia de uma constatação: os oceanos são responsáveis por quase metade da produção biológica do planeta, mas representam apenas 2% das calorias e 15% das proteínas para consumo humano.
Este é um facto que seguramente surpreenderá muita gente, tendo em conta a consciência que temos do uso intensivo que fazemos de determinados recursos marinhos, e das consequências que essas práticas têm nos ecossistemas e na biodiversidade. Mas a contradição é apenas aparente.
O problema, na nossa relação com os oceanos, não está em beneficiarmos do que estes nos oferecem e nos podem oferecer. Pelo contrário: com uma população humana em constante expansão, iremos inevitavelmente depender cada vez mais destas riquezas, até porque é em terra firme que estamos já a atingir o limite daquilo que podemos produzir. O problema - ou antes o desafio - é encontrar formas de o fazer sem comprometer a saúde e o equilíbrio dos oceanos, e até melhorando-os consideravelmente.
É precisamente esse o desafio que está em cima da mesa na Cimeira dos Oceanos das Nações Unidas, que decorre nesta semana em Lisboa. O ponto de partida é a proteção dos oceanos, não apenas da pesca excessiva e desregulada, mas também da poluição e das alterações climáticas que estão já a destruir ecossistemas sensíveis como os recifes de corais. Mas a meta, como referiu António Guterres na sua intervenção desta segunda-feira, é "mostrar compromisso com uma economia azul sustentável". Ou seja: corrigir erros, encontrar novas estratégias e construir com os oceanos uma nova relação, ainda mais forte.
Na opinião Food from the Oceans, que contou com a atual ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Elvira Fortunato, na lista de conselheiros de alto nível que contribuíram para a sua elaboração, procuravam-se exatamente as fórmulas para combinar este duplo objetivo da proteção e exploração sustentável dos recursos. E é gratificante constatar que algumas das propostas que na altura estavam em cima da mesa, nomeadamente o aproveitamento de fontes de nutrientes inexploradas, como as algas e o plâncton, estão agora nas notícias dos jornais e das televisões a propósito da conferência das Nações Unidas.
É precisamente este caminho - a aposta em soluções inovadoras, apoiadas na investigação científica de excelência - que irei defender nesta quinta-feira em Lisboa, num evento dedicado à missão do Horizonte Europa Starfish 2030, que ambiciona restaurar os nossos oceanos, águas costeiras e interiores até ao final da década. Uma conferência em que participarão a comissária europeia Mariya Gabriel, o presidente da Câmara de Lisboa e antigo comissário europeu Carlos Moedas, representantes do governo português e das Nações Unidas.
Sempre acreditei que a investigação científica e a inovação seriam cruciais para a construção desta economia azul de que agora falamos. E foi por esse motivo que introduzi os oceanos como tema independente no Horizonte 2020, quando fui uma das relatoras desse programa-quadro; me bati com sucesso pela criação de uma Comunidade de Conhecimento e Inovação dedicada a todos os temas relacionados com a água, na agenda estratégica do Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia (EIT), no âmbito do Horizonte Europa; e venho defendendo a aposta na modernização e em soluções inovadoras para as indústrias do mar na Comissão das Pescas, no Parlamento Europeu, da qual sou atualmente vice-presidente.
A essa certeza, junto outra: no que respeita aos oceanos, e à proteção do ambiente em geral, apenas teremos sucesso trabalhando com os setores e comunidades que dependem dos recursos que pretendemos preservar. Temos de proteger os oceanos com as pessoas e para as pessoas, sem nunca as deixarmos à margem das decisões.