Um mundo mergulhado numa crise energética, uma guerra na Ucrânia que já está a gerar mudanças profundas no equilíbrio geopolítico internacional, um contexto doméstico de crescimento anémico, que nos conduz cada vez mais para a periferia das economias da União Europeia, os desafios da transição climática e digital. Nada disto parece ter pesado nas reflexões do governo na altura de apresentar um Orçamento do Estado para 2022 decalcado da proposta que tinha sido chumbada há seis meses na Assembleia da República. As palavras e as intenções estão lá. Os atos e os investimentos necessários para as passar à prática, nem por sombras.
As novidades, no documento que começará a ser discutido na generalidade na próxima semana, resumem-se, com uma ou outra exceção, a medidas conjunturais, como o fim do Pagamento Especial por Conta e uma dedução à coleta de IRC resumida a 25% do investimento e a um teto de 150 milhões de euros. Continua ausente uma visão de futuro, uma estratégia com cabeça, tronco e membros para fazer crescer o país, melhorar as condições de vida de todos os portugueses - nomeadamente da classe média, novamente votada ao desprezo - e incentivar a inovação e a competitividade das empresas nacionais.
Esperava-se um verdadeiro alívio fiscal, mas o que se antevê, entre as supracitadas medidas de "apoio" às empresas e as mexidas nos escalões de IRS, é um agravamento real da carga fiscal. Esperavam-se reformas profundas na justiça, que a tornassem mais célere e eficiente, mas os investimentos que sobressaem da proposta de Orçamento referem-se a obras em tribunais e à instalação de novos sistemas de software. Muda-se o embrulho, mas nada se faz em relação ao conteúdo.
Inovação, digitalização, qualificações e descarbonização. Palavras que deveriam ser sinónimos de prioridades absolutas, sobretudo quando estão em causa apoios às empresas nacionais, mas que no Orçamento do Estado para 2022, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, se traduzem num investimento a fundo perdido de 900 milhões de euros. Menos 90 milhões do que os 990 milhões que o governo admite injetar na TAP, cada vez mais um encargo difícil de explicar aos contribuintes, no quadro do seu processo de reestruturação, e exatamente o mesmo valor que, em outubro, o então ministro João Leão tinha para apresentar ao país.
É certo que um Orçamento do Estado, sobretudo quando votado após mais de quatro meses de gestão em duodécimos, é um plano limitado, desde logo no tempo. Mas isso não significa que este não tenha uma enorme importância em termos da visão estratégica que é transmitida ao país. Principalmente quando se trata de um Orçamento que surge no contexto da recuperação económica pós-pandemia, fortalecido por um novo quadro comunitário e pelas verbas do plano de recuperação e resiliência. E a mensagem que nos é transmitida é o business as usual. Como se nada tivesse mudado. Como se nada tivesse de mudar urgentemente em Portugal.
Visto de Bruxelas, este projeto, apresentado pelo governo que saiu das legislativas de janeiro, reforçado por uma clara maioria absoluta, chega a gerar um sentimento de impotência. No meu trabalho como deputada europeia, representante do meu país, estou diretamente envolvida em dossiês como a Estratégia Industrial, o Guião para a Década Digital e a Eficiência Energética. Temas de enorme importância para o futuro da União Europeia. No meu trabalho, nomeadamente nas iniciativas em que sou relatora pelo Parlamento Europeu, procuro, dentro dos limites das minhas funções, influenciar o caminho que os 27 irão seguir nos próximos anos. Um caminho que determinará a prosperidade futura da nossa União, a competitividade das nossas empresas, a qualidade de vida dos nossos cidadãos. Mas depois olho para Portugal e pergunto-me o que irá o meu próprio país retirar de tudo isto. O que faltará para que percebamos que não se obtêm resultados diferentes repetindo a mesma fórmula.