Os grandes avanços científicos raramente são o resultado do trabalho de um só investigador ou de um centro de investigação. Aos laureados com o Nobel da Medicina de 2023, Katalina Karikó e Drew Weissman, poderíamos facilmente juntar uma extensa lista de nomes que foram contribuindo, sobretudo desde os Anos 1980, para o estudo do ARN-mensageiro (mRNA), as suas funções e potencial, até ao ponto de esta acumulação de conhecimento ter resultado no desenvolvimento de vacinas contra a covid-19, recorrendo a uma tecnologia completamente inovadora.
Porém, neste caso concreto, a distinção não poderia ser mais justa. Foi Karikó, com o apoio fundamental de Weissman, que resolveu finalmente os problemas que impediam o mRNA de ser um bom candidato para aplicações médicas, entre os quais a resposta inflamatória que este provocava nas células. Não tentarei explicar aqui a forma como o fizeram, porque esse seria tema para um artigo científico. Para já, terá de bastar referir que esse passo foi o resultado de um trabalho de décadas da cientista húngara e do seu colega norte-americano. Com persistência, enfrentando o ceticismo de outros cientistas e, não raras vezes, recusas de financiamento.
Um trabalho do qual nós, europeus, temos muitos motivos para nos orgulharmos. Não apenas porque Karikó é uma cientista europeia, ainda que radicada há muitos anos nos Estados Unidos, mas também porque a União Europeia teve um papel decisivo neste processo. Primeiro, apoiando durante muito tempo a investigação científica, nomeadamente a investigação fundamental, em torno do mRNA, através dos programas-quadro de ciência e inovação. E, depois, como parte da resposta à pandemia de covid-19, dando um contributo financeiro fundamental para o desenvolvimento da vacina.
É verdade que a primeira vacina desenvolvida com tecnologia mRNA foi produzida por uma farmacêutica norte-americana. E isso deve levar-nos a refletir sobre as dificuldades que continuamos a sentir, na Europa, para transferir para a sociedade e para a economia os muitos avanços que vamos produzindo e apoiando. Investimos em ciência e inovação. Produzimos grandes talentos para todas as áreas. Mas nem sempre somos capazes de dimensionar todo esse esforço e talento, de dar o passo final. No entanto, que não restem dúvidas: este Nobel, esta vacina, são uma vitória para a Europa e para a sua aposta no conhecimento.
O facto de termos uma mulher como protagonista desta história de sucesso torna este momento ainda mais especial. Porque ainda não são muitas, infelizmente, as que figuram na lista de laureados com o Nobel da Medicina. De acordo com os números divulgados pela Academia Sueca, incluindo a atual vencedora, este prémio só foi atribuído a 13 mulheres (Marie Curie foi a única a ganhá-lo duas vezes), numa lista da qual constam mais de duas centenas de homens.
Do que precisamos, para equilibrar cada vez mais a balança, neste e noutros setores, é de exemplos de sucesso. Mulheres que mostrem às muitas jovens que gostariam de seguir os seus passos que, mesmo em meios predominantemente masculinos, é possível fazerem-no com talento, dedicação e perseverança. E Karikó é um desses exemplos.
O potencial do mRNA, mesmo com o sucesso retumbante das vacinas da covid-19, ainda está em grande medida por explorar. A mesma tecnologia poderá conduzir-nos a formas mais eficazes de não apenas lidarmos com pandemias, mas também de combatermos doenças com as quais lidamos há décadas, como o VIH, ou desde sempre, como o cancro.
Estou certa de que continuaremos a ouvir falar desta tecnologia ao longo dos próximos anos e décadas. E fico contente por saber que, em cada um desses momentos, nos iremos recordar da mulher que tornou tudo isto possível.
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