Nesta sessão plenária de março, em Estrasburgo, o Parlamento Europeu aprovou com ampla margem o novo Regulamento dos Dados. Este é mais um daqueles exemplos de iniciativas legislativas da União Europeia que, tendo um forte impacto em todos os estados-membros, nem sempre recebem a atenção que merecem.
Ao longo dos meses de preparação e discussão da posição do Parlamento Europeu sobre este diploma, na qual estive envolvida na qualidade de relatora-sombra na Comissão do Mercado Interno e Proteção dos Consumidores, pude constatar que a opinião pública em geral não está suficientemente informada sobre os motivos para esta iniciativa, nem sobre os objetivos que estabelece.
Em primeiro lugar, ainda que toda a legislação europeia sobre dados tenha inerente essa preocupação, esta não é mais uma lei sobre proteção de dados, tema que já se encontra amplamente coberto na arquitetura jurídica do setor. Do que se trata aqui é, em duas palavras, de acesso e controlo. Acesso, pelas pessoas e empresas, aos dados que são produzidos nos seus dispositivos conectados. E controlo sobre a utilização que é feita desses dados, incluindo a migração dos mesmos entre plataformas e a sua partilha com terceiros.
Por que é que isto nos interessa? Porque os dados que produzimos têm valor. Um valor extraordinário que continua a ser subaproveitado pela forma como as coisas têm funcionado até agora. Atualmente, é difícil termos uma noção exata dos dados que produzimos, quanto mais dispormos destes como bem entendermos. Aliás, nem sequer é claro quem pode ter acesso e utilizar os dados produzidos. Remover estas barreiras, a consumidores e empresas, em especial a pequenas e médias empresas, é o objetivo principal deste regulamento.
Um pequeno exemplo, que ajuda a perceber o potencial que está a ser desperdiçado: atualmente, 80% dos dados produzidos pela indústria não são utilizados. Isto significa que existem quantidades enormes de informação inacessível, que poderia estar a ser utilizada pelas empresas para melhorarem as suas atividades ou, com o expresso acordo das mesmas, partilhadas com terceiros para fazer evoluir o conhecimento e dinamizar a inovação. Na saúde. Na mobilidade. Nas indústrias agroalimentares. No ambiente. Desde a investigação científica fundamental ao desenvolvimento de novos produtos e técnicas.
Fazendo uma analogia imperfeita, tem gerado enorme interesse uma nova aplicação de inteligência artificial, o Chat GPT que, essencialmente, "minera" informações disponíveis em fontes abertas para produzir, em segundos, documentos bem estruturados sobre quase todos os temas que lhe peçamos para abordar, desde física das partículas a literatura medieval. Agora imaginemos o que poderemos fazer com acesso a dados conectados de alta qualidade que hoje, em termos práticos, é como se não existissem.
Diz-se que os dados são o ouro do século XXI, mas, na Europa, grande parte desta riqueza permanece enterrada sob uma camada de indefinição e falta de clareza. E a pior parte é que o acesso a esses recursos não tem sido determinado por leis europeias e nacionais e, sim, pelos grandes operadores do mercado que, essencialmente, definem as próprias regras.
No meu trabalho para este relatório, concentrei-me especificamente na questão do alojamento dos dados em nuvem e na migração desses dados entre plataformas, por iniciativa dos clientes. Hoje, a esmagadora maioria dos dados em nuvem, na União Europeia, são alojados por operadores não-europeus, com três empresas a concentrarem quase toda a oferta. Para os clientes, a troca de operadores é muito difícil.
Com este regulamento, eliminamos barreiras e taxas injustificadas. Tornamos a migração entre plataformas mais simples. E reduzimos custos. Ao mesmo tempo, protegemos os segredos comerciais e a propriedade intelectual.