Portugal tinha em 2019, de acordo com dados divulgados em julho deste ano pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, 22% de mulheres nos órgãos de administração das sociedades cotadas em bolsa, 29% no setor empresarial local e 37% no setor empresarial do Estado.
São números ainda distantes, sobretudo no setor privado, do desejável equilíbrio entre homens e mulheres. Contudo, não nos envergonham, porque dão conta de uma evolução positiva nos últimos anos, a qual veio demonstrar que a lei adotada nesta matéria (62/2017) está a ter impacto, contrariando o ceticismo com que foi recebida por alguns.
O debate em torno das medidas promotoras de um maior equilíbrio no acesso aos cargos de topo não é um exclusivo nacional, estendendo-se a toda a Europa. O principal argumento daqueles que se opõem é a recusa do que consideram ser uma ingerência do legislador na esfera privada das empresas. E, tratando-se de iniciativas da União Europeia, de uma ingerência em matéria de responsabilidade de cada estado-membro.
É essa leitura que tem ditado, desde 2014, o permanente bloqueio, no Conselho Europeu, da aplicação da diretiva Women on Boards, que prevê um mínimo de 40% de mulheres entre os membros não executivos dos conselhos de administração das empresas públicas e das privadas cotadas em bolsa.
Esta diretiva foi proposta pela Comissão Europeia na sequência de uma recomendação, aprovada com amplo apoio, do Parlamento Europeu. No entanto, foi sendo sucessivamente rejeitada por um lote de oito estados-membros. Foram eles: Dinamarca, Polónia, Reino Unido, Croácia, Holanda, Alemanha, Estónia e Espanha. Um lote sui generis, no qual se encontram estados-membros que dificilmente mudarão de posição, mas também, ironicamente, alguns dos mais progressistas do continente em matéria de igualdade de género.
Na presente legislatura do Parlamento Europeu, fui encarregue pelo Partido Popular Europeu (PPE) de acompanhar o tema da diretiva “Women on Boards”. O desafio passa precisamente por defender junto destes países relutantes, sobretudo aqueles que já são mais avançados nesta área, que o que se está a pedir não é o favorecimento de um género em relação ao outro, mas que o mercado funcione normalmente. Se as mulheres representam metade da força laboral, se são igualmente produtivas, se têm qualificações médias iguais ou superiores aos homens, nada justifica que estejam representadas nas funções de liderança. Tal como nada justifica que, em muitos casos, não tenham direito a salário igual por trabalho igual.
Sobre a questão da soberania nacional, a própria proposta de diretiva é clara ao deixar nas mãos de cada estado-membro a aplicação e fiscalização das regras, incluindo ao nível das sanções a definir. Foi o que sucedeu em Portugal e noutros estados-membros que, mesmo sem o consenso europeu, decidiram avançar com legislação.
É certo que nenhum destes argumentos tem permitido, até agora, mudar o statu quo. No último ano, contudo, registou-se uma sucessão de acontecimentos que poderão, enfim, criar uma janela de oportunidade. Von der Leyen, uma mulher alemã, foi eleita presidente da Comissão Europeia. O Reino Unido deixou a União. A Espanha anunciou que estava disposta a rever a sua posição nesta matéria. Mais recentemente, a presidência alemã da EU mostrou também vontade de retomar a discussão.
Em setembro, será levada a plenário do Parlamento Europeu uma pergunta oral visando precisamente reabrir o debate. Esperemos que, desta vez, este seja finalmente levado até ao fim.