Oretrocesso no dossiê do novo aeroporto de Lisboa, com a hipótese Montijo aparentemente a cair por terra, é só mais um episódio numa telenovela que começou na década de 1960, então com a Ota como pano de fundo. Desde então, têm-se sucedido os momentos mais ou menos rocambolescos, entre avanços decididos para Alcochete e recuos estratégicos para a terra de ninguém, numa trama que teima em não querer sair da casa de partida.
O que sobressai desta sucessão de indecisões é que, em todos os momentos, e perante todas as hipóteses, foram realizados estudos aprofundados e emitidos pareceres técnicos e científicos, muitos de grande qualidade, abrangendo temas como o impacto ambiental, o tráfego aéreo, as infraestruturas e a mobilidade.
O que nunca aconteceu, com consequências em termos de investimentos desperdiçados, foi o momento em que alguém fizesse a síntese de todos esses dados e emitisse uma recomendação definitiva, capaz de vincular as partes e pôr fim ao ruído político, nacional e local, em torno de um projeto estruturante.
O aconselhamento científico é, cada vez mais, fundamental para os decisores políticos. E Portugal, talvez como nunca, conta hoje com especialistas altamente competentes nas diferentes áreas do conhecimento. Também conta com muitas estruturas, públicas e privadas, com ampla experiência e capacidade para a realização de estudos e a produção de recomendações. O que ainda não tem é esta cultura de levar as diferentes reflexões até a uma síntese final.
Não faltam outros exemplos dessa lacuna. Basta pensarmos na gestão da pandemia de covid-19 e no facto de o próprio primeiro-ministro ter assumido, quando os casos começaram a disparar no início do ano e foi tomada a decisão de voltar a confinar, que o governo tinha vindo a receber recomendações contraditórias a esse respeito.
A existência de massa crítica, de diferentes perspetivas sobre um mesmo desafio, é uma vantagem. Mas depois é preciso que as partes se reúnam, discutam e se chegue a conclusões, fazendo uma síntese em que se identificam as lacunas existentes e se quantificam as incertezas.
É isso que sucede, por exemplo, na Nova Zelândia, um país mundialmente conhecido pela importância que os seus líderes políticos atribuem ao aconselhamento científico. E os benefícios dessa cultura veem-se não apenas na forma exemplar como esse país conseguiu conter o coronavírus, mas num conjunto de medidas estruturantes que lhe trouxeram progresso económico e social.
Não estamos a falar de uma tecnocracia. A palavra final continua a ser dos decisores políticos, que têm de ponderar outros planos, como o ético e o económico. A diferença substancial é que decidem melhor informados - com a confiança de contarem com as opiniões definitivas dos melhores especialistas - e, por isso, cometem menos erros.
Nesta quinta-feira, terei a oportunidade de intervir num debate promovido pela Embaixada do Reino Unido e pela Universidade de Lisboa, cujo tema é precisamente: "Ciência para as políticas: o que significa?" Uma resposta simplista a essa pergunta poderia ser: "Segurança e confiança."
Portugal precisa de ambas. Mais do que debatermos os prós e contras de Alcochete ou do Montijo, deveríamos perguntar-nos como é possível estarmos há mais de 50 anos a discutir onde vamos construir um aeroporto. E retirar daí as devidas ilações.