Aproposta de criação de um Espaço Europeu de Dados de Saúde (EEDS), anunciada pela Comissão Europeia no início de maio, foi recebida com indiferença pela comunicação social, mais atenta à guerra na Ucrânia e às suas consequências nas vidas dos europeus. Mas este dossiê, que será, a partir de setembro, alvo de negociações com o Parlamento Europeu e o Conselho Europeu, merece toda a nossa atenção. Porque tem o potencial para gerar benefícios muito significativos na qualidade de vida e na esperança de vida de milhões de europeus.
O EEDS será estruturado em torno de dois objetivos fundamentais: apoiar diretamente a prestação de cuidados de saúde e contribuir para a investigação científica e para a elaboração de políticas públicas neste setor.
Com estes fins, irá aumentar substancialmente o volume de informação recolhida e partilhada, não apenas entre estados-membros, mas também entre diferentes entidades de cada país. Em causa estão dados como registos de saúde eletrónicos, dados genómicos, dados referentes a processos clínicos de doentes, e outros que possam contribuir para melhor compreendermos os problemas de saúde que afetam os europeus, muitos deles semelhantes entre países, e encontrarmos as melhores respostas.
O tema dos dados é sempre sensível, em especial quando estão em causa informações relativas aos doentes. E não há dúvida que temos desafios a superar durante as negociações desta iniciativa, nomeadamente garantir o anonimato de todos os cidadãos cuja informação é recolhida. No entanto, o potencial do digital no setor da Saúde é inegável.
Com mais informação, e melhor partilha de informação, a investigação científica em áreas como o cancro, doenças cardiovasculares e doenças raras sairá reforçada, com muitos benefícios para os doentes. As abordagens terapêuticas poderão ser afinadas, ajustando as estratégias a cada caso e combinando diferentes especialidades nessas mesmas estratégias.
O desperdício e a ineficiência serão reduzidos, permitindo aos sistemas nacionais de saúde tratarem mais pacientes e tratarem-nos melhor. A prazo, no quadro de uma verdadeira União Europeia para a Saúde, poderemos mesmo antever um contexto em que diferentes estados-membros poderão especializar-se no tratamento de determinadas patologias, oferecendo os seus serviços a pacientes de toda a UE.
Portugal pode desempenhar um papel muito importante no lançamento deste EEDS porque a matéria-prima mais importante - a informação - já existe em abundância, ainda que seja pouco ou nada aproveitada para melhorar a eficiência dos nossos serviços. Se pensarmos no Serviço Nacional de Saúde e nos hospitais, existe um manancial enorme de informação disponível, que poderá ser posta ao serviço da melhoria da qualidade dos serviços prestados aos doentes, do diagnóstico ao tratamento. Sobretudo quando combinada com a informação existente nos restantes estados-membros.
Para o fazermos, tanto em Portugal como à escala europeia, precisamos de construir uma verdadeira cultura de cooperação, envolvendo universidades, centros de investigação, hospitais públicos e privados, profissionais de saúde e reguladores.
Ao mesmo tempo, terão de ser feitos investimentos estruturantes, aproveitando as oportunidades de financiamento oferecidas pela União Europeia. Investimentos em sistemas de recolha de informação automatizada e permanente. E investimentos, acima de tudo, em conhecimento. Tanto ao nível do treino de especialistas, como no plano do reforço da literacia digital e de saúde da população, em especial dos doentes, que são o alvo final de todo este esforço.