Após dois anos em que raramente se falava de outro assunto, a covid-19 parece ter-se esfumado do espaço mediático, onde passou a ser uma nota de rodapé, cedendo o lugar a novo tema único: a guerra na Ucrânia. Este "apagão" é preocupante porque, por mais justificações que tenhamos para focar as nossas atenções na agressão russa, e por mais desgastados que estejamos com assuntos de saúde, o vírus que desestabilizou as nossas vidas durante tanto tempo ainda não se foi embora. Nem consta que o venha a fazer tão cedo.
Mesmo na União Europeia, o vírus continua a causar um número significativo de casos, mantendo pressão sobre os serviços de saúde. Continuam a registar-se diariamente mortes e/ou internamentos em unidades de cuidados intensivos em praticamente todos os países, e é já claro que uma parcela da população, mais fragilizada e em alguns casos até inelegível para receber as vacinas, terá de continuar a ser alvo de medidas especiais de proteção.
O risco é que o atual desinteresse pelo tema covid-19 conduza quem tem responsabilidades nesta matéria a aligeirar os seus esforços, deixando estas pessoas sem respostas adequadas. Goste-se ou não, a pressão da opinião pública e a atenção mediática influenciam, para o bem e para o mal, quem decide.
No ano passado, perante grande insistência de diversos deputados do Parlamento Europeu, entre os quais eu própria, a Comissão Europeia criou a nova Autoridade da União Europeia de Preparação e Resposta a Emergências Sanitárias (HERA). Esta entidade veio marcar o que se espera venha a ser um virar de página na atitude dos Estados-membros em relação à abordagem comum das políticas de saúde, na sequência da boa experiência da compra conjunta das vacinas. No entanto, a sua entrada em funcionamento tem levado algum tempo.
De acordo com um artigo publicado recentemente pelo jornal Politico (a imprensa em Bruxelas ainda vai dando atenção a estes temas), desde que a direção da HERA tomou posse, em dezembro, ainda não foi fechado um único contrato para a compra conjunta de toda uma nova geração de medicamentos contra a covid-19. Um período de adaptação é natural e compreensível. Mas a HERA surgiu precisamente com o objetivo de agilizar procedimentos.
Atualmente, de acordo com o mesmo jornal, de um total de sete medicamentos aprovados para o combate ao coronavírus, aos quais se juntam outros três em fase de aprovação, a UE tem fechada apenas a compra conjunta de três, todos negociados ainda antes da criação da agência. E pelo menos um deles já se terá revelado ineficaz no combate à variante Ómicron. Isto significa que há mortes e situações de doença grave que poderiam estar a ser evitadas e não estão. E que existe o risco real de, perante novo agravamento da evolução da doença, regressarmos aos erros dos primeiros tempos de pandemia, com cada país a negociar por si os tratamentos, com os mais pobres em desvantagem.
A HERA, e o projeto mais amplo de uma União Europeia da Saúde, não podem falhar ou cair no esquecimento. Assim como muitos criticam agora, e bem, a passividade ocidental após a anexação da Crimeia pela Rússia, em 2014, temos igualmente a obrigação de aprender as lições da história desta pandemia, não permitindo que a espuma dos dias nos conduza à repetição dos erros dentro de alguns anos, com consequências ainda mais graves.