A constatação da realidade das alterações climáticas não é uma ideologia. Muito menos é uma ideologia que, por muito que alguns a gostem de hastear como bandeira sua, possa ser conotada com qualquer posicionamento político-partidário. O que está em causa é simplesmente aceitar ou não as evidências científicas que nos apontam para a existência de uma ameaça real. Uma ameaça perante a qual não podemos ficar de braços cruzados.
O PSD, é justo dizê-lo, nunca ficou de braços cruzados em matéria de ambiente e combate às alterações climáticas. Pelo contrário: tanto no plano nacional como a nível europeu, podemos orgulhar-nos de sempre nos termos envolvido ativamente nestes temas, mesmo nos tempos em que outros pouca ou nenhuma atenção lhes prestavam. Fizemo-lo através do trabalho de personalidades como Carlos Pimenta, Jorge Moreira da Silva, Teresa Patrício Gouveia, Macário Correia e muitos outros. Eu própria, perdoem-me a imodéstia, envolvi-me desde cedo nestas questões. Desde logo porque, enquanto professora do Instituto Superior Técnico e investigadora, me dediquei ao estudo das mesmas.
Mas aceitar a realidade da ameaça e, sobretudo, reconhecer a importância de agir perante a mesma, não significa claudicar perante a ideia de um único rumo para resolver os problemas. A fazer fé nalguns discursos - esses sim, marcadamente ideológicos - a fórmula eficaz para assegurar a sustentabilidade futura do planeta será embarcar numa espécie de retrocesso civilizacional, económico e tecnológico voluntário. Teremos de deixar de viajar de avião, porque estes consomem quantidades significativas de combustíveis fósseis. Teremos de deixar de consumir carne e outros produtos de origem animal, devido à pegada carbónica que lhes está associada. Teremos, no limite, de condicionar ou suprimir a atividade de inúmeros setores-chave da sociedade. Nesta espiral de ideias radicais, até já há quem questione os avanços da medicina, pelo que estes representam em termos de aumento populacional e da esperança de vida.
Será mesmo este o caminho para a sustentabilidade futura do planeta? Desenganemo-nos: serão seguramente necessários sacrifícios, muitos ajustes ao nosso estilo de vida atual, alguns dos quais já em implementação. Mas respondendo diretamente à pergunta: não. Não será assim que lá chegaremos. Até porque mesmo que, no limite, as economias mais fortes do mundo concordassem em uníssono com esta ideia de recessão voluntária, os países emergentes, muitos deles ainda a lutarem para alcançarem o estilo que vida que nós damos por garantido, jamais aceitariam conformarem-se com a estagnação - ou mesmo com o retrocesso em relação a algumas das suas conquistas recentes.
A Agenda 2030 das Nações Unidas, adotada em 2015 pelos dirigentes mundiais, estabelece dezassete desafios de desenvolvimento sustentável (ODS). E não os planos para um quadro recessivo mundial. Propõe, nas dimensões económica, social e ambiental, um desenvolvimento em que ninguém fica para trás. E não um nivelamento por baixo entre os países ricos e os países pobres.
Greta Thunberg, a jovem ativista sueca que tem sido o rosto de um movimento mundial de jovens em luta pelo futuro do planeta, e por cuja determinação não posso deixar de sentir genuíno respeito, esteve recentemente na Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, onde deu um dos seus já célebres “raspanetes” aos líderes mundiais ali reunidos. Como política, não me senti ofendida pelas palavras que nos dirigiu. Mas também não concordei com tudo o que disse. Sobretudo quando denunciou “os contos de fadas do eterno crescimento económico”, identificando-os como inimigos do que é preciso fazer para assegurar a sustentabilidade do planeta.
As metas climáticas não são inimigas do crescimento económico, nem o seu contrário. Até porque o crescimento não decorre apenas de atividades prejudiciais para o planeta. E mesmo quando isso sucede, não significa que tal deva ser aceite como uma fatalidade.
Se um país em desenvolvimento sobrevive através da exploração não sustentável, para exportação, de matérias-primas, a solução não passa por tentar proibi-lo liminarmente de o fazer. É preciso apresentar-lhe alternativas, acompanhadas de auxílio financeiro para as concretizar. Se tudo correr bem, no final esse país poderá ter práticas mais amigas do ambiente e, ao mesmo, tempo, uma economia mais próspera. No mesmo sentido, nos países desenvolvidos, o desafio de atingir as metas climáticas definidas pode constituir não só um desígnio como uma oportunidade de crescimento. Nomeadamente pela via da inovação científica e tecnológica. Mobilizando a indústria.
Atualmente, é amplamente reconhecido que, a nível mundial, a meta a cumprir tem de ser a neutralidade carbónica até meados deste século. Para lá chegarmos, o esforço dos países industrializados - que são também os maiores emissores - terá de ser bastante superior ao dos demais. Podemos encarar essa exigência como uma ameaça séria ao setor industrial e ao nosso modo de vida. Ou podemos encará-las como uma oportunidade extraordinária de, por exemplo, desenvolvermos fontes de energia mais limpa que sejam, simultaneamente, mais baratas e acessíveis a todos.
Estatisticamente - e Portugal, com exceção de 2018, não foge a essa regra -, os anos de crescimento económico coincidem com aumentos das emissões. Mas essa correlação não tem de ser uma fatalidade. Vários países do Norte da Europa estão já a demonstrar que é possível crescer de uma forma mais sustentada. E que esse conceito está longe de ser utópico. A eficiência energética e a sustentabilidade ambiental são boas para a economia.
Nos últimos anos, em países como a Suíça e o Canadá, surgiram empresas que estão a desenvolver tecnologias que permitem captar dióxido de carbono da atmosfera e convertê-lo num produto viável, por exemplo, para a utilização em estufas por produtores de frutas e legumes.
Sabendo-se que as emissões de CO2 têm custos para quem as faz, alguma indústria poluidora, por maior que fosse a sua indiferença às questões ambientais, recusaria uma oportunidade de transformar um encargo numa possível receita adicional?
Regressemos ao tema das viagens de avião. Atualmente não existem alternativas aos combustíveis fósseis utilizados pela aviação comercial, que constituem sem dúvida uma importante fonte de emissões, para além de uma fatia substancial dos encargos das companhias aéreas. Mas já se admite que o carbono, obtido através de processos de captura de CO2 como os descritos atrás, possa vir a ser utilizado para a produção de um combustível sintético alternativo, por exemplo para a utilização na aviação.
Ainda não existe a tecnologia para o fazer. Mas a necessidade - tal como nos ensina a história da humanidade, desde as caravelas portuguesas às missões Apolo - aguça o engenho. E não falta nas nossas universidades e nos nossos centros de investigação o engenho necessário para, com os estímulos certos, tornar em realidade o que agora poderá parecer-nos otimista ficção.
Nos anos 1980 e 1990 - apesar de ter havido algum retrocesso no passado mais recente -, a qualidade do ar nas principais cidades europeias melhorou radicalmente. Tal como melhorou em muitos países industrializados, da Ásia à América do Norte. Não porque tenhamos passado a ter menos carros nas estradas. Ou menos indústrias a operar. Mas porque foi feito um esforço significativo para tornar estes setores, estas tecnologias, mais eficientes e amigas do ambiente. Se esse esforço não tivesse sido feito, por via da inovação científica de fronteira, pela inovação disruptiva - procurando soluções alternativas e não apenas aprimorando as tecnologias já existentes - provavelmente muitas das nossas cidades já teriam deixado há muito de ser habitáveis.
Por estes dias, Parlamento Europeu, Comissão Europeia e Conselho Europeu estão a debater os contornos daquele que será o próximo grande programa-quadro em termos de investimento na ciência e inovação, o Horizonte Europa. E um dos pilares deste programa será - terá de ser - o contributo para o crescimento económico, aliado ao cumprimento das metas climáticas, com base na excelência. Para o bem da Europa e para o bem do Planeta.